quarta-feira, 23 de novembro de 2011

A cada dia que passa me sinto mais indígena

Minha referência existencial é minha Avó. Ela me criou dentro dos seu modo de ser amazônico. Vim tomar consciência disso depois que eu entrei na Universidade. Hoje tento fazer uma retrospectiva de quando foi que comecei a  me sentir indígena. Lembro que nas peças apresentadas na igreja eu gostava de representar o papel da índia. Com o amadurecimento intelectual passei por duas fases a de desconstrução e construção: a primeira fase foi a de desconstrução do estereótipo do termo índio (termo do colonizador). Desenvolvi essa discussão na minha monografia de Bacharelado: A Construção de Uma Identidade - História Oral com o Povo Cassupá. Entrei numa linha de descontrução de tudo partindo da negação a formatação social do ser mulher, vivi isso até as últimas consequências. Ao mesmo tempo me afirmava como pesquisadora a partir da pesquisa em colaboração com os Cassupá. Depois disso iniciei uma linha de pesquisa sobre mim mesma. Minha dissertação de mestrado parte da minha própria avó. É a história de vida de quatro mulheres que vivenciaram o espaço do Seringal na Amazônia. Em suas histórias de vida revela-se o afeto pelo espaço vivenciado e as relações interétinicas com Povos Indígenas. Após o mestrado voltei a assumir como coordenadora o projeto de educação escolar indígena na Secretaria de Educação de Porto Velho (coordenação local, não é a coordenação do núcleo de educação escolar indígena a nível estadual, faço questão de esclarecer que não faço parte desse núcleo, por discordar de posturas de alguns técnicos não indígenas que atuam no mesmo). Havia antes do mestrado atuado por um ano como técnica no projeto de educação escolar indígena na Representação de Ensino de Porto Velho, isso em 2005 e começo de 2006, período em que apesar de pouca estrutura tive apoio da representante de ensino para fazer meu trabalho. Após o mestrado em 2010 retornei para o mesmo projeto. Fiquei até o meio do ano de 2011 por motivos de resistências e enfrentamentos para garantir uma politica de atendimento as etnias da nossa jurisdição eu fui devolvida e por ter apoio da gerente de educação que não está mais em exercício fiquei em outro setor, mas minha atuação continuou sendo na educação escolar indígena. Como Coordenadora trabalhei por um ano, sem ter carro para ir para aldeia fazer assessoria pedagógica, ia de carona com o carro da associação da etnia que eu trabalhava, fui em carro próprio, tirei dinheiro do bolso e cada vez que ia para aldeia era uma briga com a representante de ensino da época porque eu ficava indignada por não ter pelos menos carro para ir para a aldeia. Não tinha espaço para receber os indígenas, e éramos vistos como problema no setor pedagógico. Depois atuando na comissão de implantação do ensino médio indígena acreditei que enfim haveria a implantação de uma politica pública conforme recomenda a legislação indígena, mas depois de muito trabalho, a última fase que seria o forúm com as representações das etnias do Estado para apresentar o projeto elaborado a partir das consultas nas aldeias, não vai mais acontecer esse ano por falta de orçamento, isso quebra todo o processo, até mesmo porque não sabemos como as coisas serão conduzidas daqui pra frente. Desde o dia 20 estou devolvida novamente, queria retomar os projetos iniciados com as comunidades que eu estava trabalhando enquanto tramita meu processo de afastamento para o doutorado e manter parceria após a publicação do mesmo, mas isso não foi permito. Por todas as violências simbólicas que senti na pele, fui me sentindo cada vez mais indígena. Agora no Doutorado em História Social na USP incio a segunda fase: a de construção, vou trabalhar com história oral -tradição oral com as filhas das mulheres que fizeram parte da minha dissertação. No percurso da pesquisa uma questão tem se tornado latente para mim, o apagamento da identidade indígena na minha família.  Acredito que no final da minha tese eu tenha  conseguido reunir os fragmentos de memórias e costurado uma história que aponta para os Mura e Munduruku. Hoje vejo que foi preciso desconstruir para agora construir... mas sob nova ótica!

3 comentários:

  1. Adoro suas descobertas e performances identitárias!!!

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  2. Nossa, achei um máximo os meandros que te levou a ter/sentir essa outra perspectiva de sua identidade... Esse texto pode até fazer parte de seu memorial. Bjo!

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  3. meninas são apenas momentos de crise! fica tanta coisa engasgada que tenho que escrever algo. Hoje escrevendo esse texto lembrei de uma fala do Professor Sebe: quando narramos por mais que não seja falado tudo detalhadamente, tudo o que queríamos falar está contido na narrativa. Tem frase que escrevi que me fez sentir dizendo tudo o que eu queria dizer.

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