terça-feira, 27 de agosto de 2019

Do outro lado do Rio Madeira: Comunidade Maravilha





A estrada de acesso a comunidade Maravilha beira o Rio Madeira. 
O Rio madeira desde a chegada dos colonizadores, portugueses e espanhóis ainda no século XVII  é alvo de políticas colonizadoras, devastadoras, desenvolvimentistas. Aqueles discursos colonizadores de que era preciso trazer a civilização, o progresso e que para isso fazia-se necessário acabar com os Mura, pois foram os Mura que retardaram a entrada dos colonizadores na Amazônia via Rio Madeira, por sem anos. Por esse motivo, a coroa Portuguesa declarou guerra justa contra nós Mura.

Desde então, nunca sessou a guerra pela disputa de espaço com os que impõe a visão civilizatória e desenvolvimentista, desconsiderado a existência dos povos indígenas e populações tradicionais, nossos conhecimentos das tecnologias tradicionais e modos de vida repassados milenarmente. Por esses dias mesmo numa conferência de encerramento do plano diretor da cidade de Porto Velho, na assembleia legislativa, ouvi uma fala de representante do poder público dizendo que era preciso levar a civilização e o desenvolvimento para o outro lado do rio, contrariando todo o processo de construção coletiva do plano diretor e dando força para o interesse empresarial e as frentes do agronegócio e nas intenções de expansão da cidade e ao mesmo tempo na construção de mais portos graneleiros.


Chegando na comunidade Maraviha.
A comunidade Maravilha que permanece resistindo a todos os ataques que se acirraram desde a construção das hidrelétricas e posteriormente a construção de uma ponte atravessando o rio, agora também teve que enfrentar a situação do incêndio descontrolado. Nós do coletivo Mura de Porto Velho estivemos lá no domingo dia 25 para ver de perto a área afetada pelo fogo e para somar forças com a comunidade.

Fomos com nossas crianças para a comunidade, elas estavam cientes que íamos fazer um trabalho extremamente importante e tinha a ver com as queimadas. Ao chegarmos na casa da pessoa que se comprometeu em nos levar na área queimada, sentimos um forte 

De onde estava vindo o cheiro de óleo diesel.
cheiro de óleo diesel que estava vindo de uma balsa atracada às margens do Rio Madeira e que estava sendo lavada. Ali há uma concentração de balsas de carga de grãos levados até Manaus, esse porto irregular de cargas e descargas dessas balsas acabam por acelerar o desbarrancamento também causado pelas hidrelétricas e garimpagem.

Quem nos recebeu foi Doriam, um morador que vive na comunidade a 10 anos, ele nos disse que veio do interior da Argentina com a intenção de chegar até Manaus, mas quando chegou à comunidade Maravilha, tomou a água do Rio Madeira e não quis mais sair de lá, há dez anos vive aliado a defesa das árvores, dos igarapés, dos lagos dos animais. Ele mostrou conhecer bem aquela floresta e foi nos mostrando cada palmeira, cada árvore, falando seus nomes e sua importância, transparecendo o seu pesar por estarem queimadas. 



Adentrando na floresta queimada - Fundiária da reserva ecológica.
Não conseguimos adentrar muito na floresta para ver toda a área afetada pelo fogo, mas o pouco que adentramos, vimos que os pés de patoá não resistiram ao fogo, vimos três pés, dois caídos e o outro com o tronco queimado que está condenado a morrer. Para quem não sabe o que é patoá é um fruto que lembra o açaí ou abacaba e que faz parte da alimentação tradicional, é como se fosse um achocolatado. Outras palmeiras e demais árvores também estavam com suas bases queimadas, porque o fogo foi alastrando por baixo.

Os moradores tradicionais da comunidade estão receosos de falar sobre o fogo e demais devastações que a comunidade vem sofrendo a tempo. Segundo informações que adquirimos a estradinha que um setor governamental abriu em 2014 com o pretexto que ia facilitar para a comunidade sair após as águas (da inundação causada pelas hidrelétricas) baixar, mas ao contrário, serviu para a facilitação da entrada de invasores, inclusive de um fazendeiro que tem uma grande área invadida e desmatada dentro da comunidade.


Foi triste entrarmos na fundiária da reserva Arirambas com um tapete de fogo que queimou área a dentro, que conforme vimos aumentou a insegurança alimentar daquela comunidade, pois caíram os pés de patoá adultos que levaram em torno de 100 anos para estarem no porte que estavam, mas se mostraram sensíveis ao fogo, sementes que são utilizadas para a confecção de artefatos culturais também foram queimadas e várias árvores foram afetadas.

Uma das senhoras, moradora tradicional nos recebeu da janela da sua casa, falou que a área que está sob a responsabilidade dela e do filho, não queimou, pois eles não costumam fazer queimadas.  Ela não quis que gravássemos a fala dela e nem registrasse a sua imagem, mas nos contou que ela e seus filhos ficaram assustados com o fogo. Não gravamos a fala dela, nem fotografamos a sua casa de farinha e sua roça, mas vimos que ela mantém a floresta em pé e mantém seu modo tradicional de produzir seus alimentos.


Nosso amigo que nos levou até a área queimada nos apresentou a sorveira vovó que ele costumas descansar quando adentrava na floresta antes da estrada a cinco anos atrás. Esse pé de sorva está próxima a beira da estrada, resistiu a inundação de 2014, a estrada e a grilagem, mas até quando? Seus dias podem estar contados.



Outro senhor que teve suas plantações e sua casa cercada pelo fogo não quis falar muito sobre o assunto, diferente da Dona Conceição que vive na comunidade Maravilha a 60 anos e que não teve medo de falar do que vem afetando a eles. Nos levou até o lago e mostrou as árvores que morreram ainda no tempo da inundação de 2014, causada pelas hidrelétricas, falou da preocupação com homens que segundo ela, deram a entender que vieram de Manaus, os quais adentram no lote e ficaram falando em tornar o local num porto graneleiro. Ela também nos contou que no dia que estava pegando fogo (semana passada) ela e seu esposo ficaram muito preocupados, porque não sabiam de onde estava vindo a fumaça, somente depois quando um mulher com sua família chegou assustada falando que na parte de trás estava pegando fogo, foi quando souberam os motivos das fumaças e então foram até a beira do barranco e viram que a fumaça estava em cima da água do rio e se assustaram. 

Conversando com dona Conceição.
Esse lago sofre invasão de pescadores predadores vindos da cidade.
Apesar de todas essas ameaças, dona Conceição se despediu de nós com uma fala cheia de esperança e resistência, “Se nós somos fortes e somos guerreiras, perseverantes, é porque os nossos antepassados era índios e nós também temos esse sangue, temos essa essência de sermos lutadora, de não desistir fácil! É com essa fala que encerro essa descrição e convido a todas e todos a somar com a luta dessa comunidade em se manter dentro de seus modos de vida tradicional que está extremamente ameaçado, vários de seus direitos estão sendo violados, dentre eles, a educação escolar, pois conforme nos falaram, a escola se encontra fechada e nem se quer foi encerrado o ano letivo de 2018. Há ainda um grande risco de haver um incêndio maior na comunidade, pois a área que pegou fogo ficou seca e alguns trocos de arvores caídos estão com brasas e continuam queimando, na volta da área de queimadas vimos uma fumaça, um dos nossos foi verificar, era uma tronco pegando fogo, para evitar que viesse a pegar fogo na vegetação seca que estava nas proximidades o tronco foi tirado e deixado às margens da estrada, porém, em toda a área que pegou fogo os ricos estão eminentes.                        









                                                                                                                                                                                                                                                                                                          
















sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Seu Nelson Mura fez a passagem

Seu Nelson Mura, meu pai cultural fez a passagem dele, infelizmente após um ano sem conseguir ter uma atendimento médico adequado, após ter enfim, conseguido acessar esse direito já estava muito debilitado e não resistiu. Eu não tive coragem de vê-lo em seus últimos dias no hospital, para mim era difícil demais. Fiquei com a imagem do sorriso, do olhar, do jeito de andar, do carinho que ele tinha por mim. Aprendi tanto com ele! Ele me deixou como herança seu canto: Kainanã Kainari, Kainanã Kainari, Kainanã Kainari! Karakapitu tum tum! Karakapitu tum tum!.. Vou levar sua memória comigo, por meio desse canto. Ainda é difícil falar sobre a passagem dele. Não foi fácil chegar na aldeia e não vê-lo, mas ao mesmo tempo é importante continuar está ligada a luta pela demarcação do território que ele tanto sonhou e acabou por demarcá-lo com seu próprio corpo.


Sobre as queimadas em Rondônia



Todo esse fogo não foi apenas descuido {...{




SOU Márcia Mura, do Rio Madeira, território ancestral Mura, moro numa comunidade às margens desse rio, que dentro da divisão de Estado fica em Rondônia, mas independentemente dessa divisão, nosso Povo está em toda a Amazônia, tendo maior concentração no Estado do Amazonas com terras demarcadas e outras com reivindicação para demarcação. No estado de Rondônia o Povo Mura em grande parte vive integrado nas comunidades ribeirinhas e se identificando como ribeirinho mantém a floresta em pé.

Saí da comunidade onde vivo no dia 05 de Agosto para ir até a Terra Indígena Itaparanã no sul do Amazonas, onde estamos lutando para que seja demarcado, somente após chegar de lá com apoio de aliadas e aliados e mesmo parentas indígenas consegui chegar a tempo para a Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília, de lá segui de carona com as parentas de São Paulo para participar com elas de umas ações indígenas.

No dia 19 de agosto eu estava em São Paulo quando o tempo escureceu as 15:00 horas, vi pessoas assustadas dizendo que o motivo do fenômeno era as queimadas em Rondônia. Fiquei me perguntando: Se aqui está assim como deve estar lá?

Somente no outro dia consegui falar com um parente do coletivo Mura que muito preocupado falou que as unidades de conservação estavam pegando fogo, que muitos animais tinham morrido e que o cheiro de fumaça estava insuportável. Eu me desesperei, fiquei pensando nas crianças, nos idosos e nas demais pessoas inalando tanta fumaça e em toda a destruição.  O que vinha na minha cabeça era apenas um pensamento: -Pensei que não ia chegar a esse ponto!

Fiquei muito triste com as notícias que chegavam de Rondônia e toda a Amazônia, mas procurei ficar forte para chegar firme em Porto Velho. Quando cheguei procurei me inteirar melhor sobre o que tinha acontecido, pois o céu ainda estava coberto de fumaça. Deparei-me com uma matéria online da “Nova Democracia” sobre a morte de um casal humano em Machadinho do oeste onde várias casas de agricultores foram queimadas, conforme as imagens contidas na referida matéria. A morte dessas duas pessoas, que se tem notícia até agora, somava-se a morte das árvores e animais e isso não era manchete em todos os jornais de todo o Brasil.

Estou vendo agora mobilizações acontecendo em Brasília e São Paulo em defesa da Amazônia, tomara que não seja, um pavor momentâneo, que essa luta em defesa da Amazônia e de todas as florestas do Brasil seja uma luta de todos os dias e que sejam tomadas medidas para que cesse essa destruição, pois desde as construções das hidrelétricas em rios da Amazônia, como o Rio Madeira e Xingu, tem ocorrido muitas devastações, grandes áreas de desmatamentos, cemitérios de árvores e muitos animais mortos, só no Rio Madeira foram mais de sete mil toneladas de peixes mortos. Agora essas queimadas! Que não são de hoje que acontecem, mas agora ultrapassou todos os limites.

As perdas chegam a ser irrecuperáveis, pois não há nem tempo para a natureza se recuperar. Essa política de ocupação da Amazônia que desde o início foi destruidora e essa economia do agro negócio estão nos matando. Foi só jogar a faísca nos pastos secos e áreas de plantação de soja e desmatamento, para o fogo alastrar.   

Todo esse fogo não foi apenas descuido, ou será mera coincidência que as áreas em chamas estejam no entorno ou mesmo dentro de unidades de conservação, territórios indígenas e populações tradicionais? Fica ai a questão para pensar.

sábado, 4 de maio de 2019

Acampamento Terra Livre 2019

Encontro Mura na ATL
eu e Tato Mura partilhando ações na ATL
meus filhotes do Levante Indígena da Usp
Lais Makaxali e Karai Mirim Legon
O Acampamento Terra Livre para mim é uma oportunidade de estar junto com os parentes de todo o Brasil, para unirmos forças para lutar por nossos direitos. É uma grande assembléia onde estabelecemos nossas prioridades, trocamos ideias, tomamos decisões. É um espaço de encontro da diversidade cultural indígena. Conhecemos novos parentes, reencontramos os que fomos conhecendo na caminhada de lutas, de ações, intervenções, mesas, encontros, visitas. Este ano fiquei mais nos bastidores, não subi no palco da plenária para cantar, nem fazer denúncias como ano passado. Participei da plenária na câmera dos deputados: Protagonismo Indígena na defesa do meio ambiente e sustentabilidade, organizada pela deputada federal Jônia Wapichana, fiz uma fala coletiva em defesa dos territórios indígenas de todo o Brasil, enfatizando a invasão do território Karipuna e Uru Eu Au Au e não podia deixar de falar das ameças que meu Povo vem sofrendo e trouxe presente a pressão de mineradoras enfrentadas pelos Mura do Amazonas. Falei da luta do meu cacique Nelson Mura pela sua saúde agravada devido a negligencias de funcionários da saúde indígena a um ano atrás e que agora a equipe da direção ao tomar conhecimento está tomando providências para que ele receba o atendimento devido. Cantei suas músicas que ele me ensinou ao redor da fogueira com outros parentes, não esqueci de lembrar sobre a luta pela demarcação da Terra Itaparanã ao apresentar a minha canção: memórias cantadas. Estava com uma grande família, foi uma alegria encontrar os parentes já conhecidos e conhecer outros. Poderia ficar junto com os Tupinambá, com os Guarani, com os Funiô, com os Pataxós e tantos outros povos onde tenho amigas e amigos que me reconhecem e me respaldam, mas fiquei na barraca da minha parenta Eva Canoê (que está na luta junto comigo no Madeira e no Mamoré)  no lugar onde ficou a delegação de Rondônia. Nesse acampamento teve um acontecimento especial, pude caminhar, compartilhar ações, com meu parente Mura e minha parenta Mura do Amazonas. Para nós não há fronteiras. Foi bom também encontrar amigas e amigos não indígenas que já viabilizaram apoio a nossa luta Mura. No último dia do acampamento pude ficar com o levante indígena da Usp que tenho como meus filhotes, dei atenção, carinho, cuidados e presentinhos e recebi muita consideração e carinho também. Kwekatu reté para todas e todos que somaram.
Mulheres Indígenas da Amazônia - Tupari, Sakurabiat, Mura, Puruborá, Suruí, Apurunã



Arara e Mura

Mura e Mirim Ju Yan Guarany

Junto com parente Uru Eu Au Au e Cassupá na entrada para plenária na câmera dos deputados federais


Na plenária sobre meio ambiente e sustentabilidade, debatendo e praticando o protagonismo indígena.

voltando da plenária para o acampamento com parenta Munduruku

Mura e Aline Kayapó

Kraô e Mura

Com minha amiga Funiô

Reencontro com parenta Pataxó

Relembrando nossa intervenção no evento de antropologia na USP - parente Huni Kuin

Interagindo com parenta Tapajoara, depois da foto ela foi cantar e ensinar a colografia vinda do Tapajós.

Na noite cultural com os meninos do Levante Indígena da USP e para além da USP estão se fortalecendo espiritualmente, culturalmente e politicamente junto aos Guananis. 

Sempre bom encontrar nossa cantora e jornalista Djuena Tikuna 

Noite cultural com Naná Kaigang do Levante Indígena

Nossa coordenadora da APIB - Articulação dos Povos Indígenas do Brasil.

Até a Macha das Mulheres em agosto: Território: Nosso Corpo. Nosso Espírito! (tema escolhido na primeira assembléia indígena na ATL - 2019.

domingo, 14 de abril de 2019

A dura vivência de mais uma inundação


Na quarta semana de fevereiro de 2019 não teve jeito dona Lurdes e sua família tiveram que sair de sua casa. Foi muito triste vê-los se mudando, porque eu sabia que estava muito dolorido para os dois mais velhos, dona Lurdes e seu Venâncio.




casa da dona Lurdes - guardiã das plantas medicinais  e d seu Venancio que
Dona Lurdes nossa guardiã das plantas medicinais. Seu Venâncio toca violão mesmo quando estão difíceis as coisas, ele faz parte da velha gurda, é nosso patrimônio cultural.



Nós da Maloca Mura também tivemos que fazer nossa mudança para a terra firme. 

Maloca Mura

pé de puruí fruta que me remete a minha avó. Fruta ancestral.

arte do Bote Negro, artista Chileno, filho de mãe  Mapuche

Foi preciso uma foça do urucum

minhas cerâmicas Marajoaras, Xinguanas, Suruí e uma forma tradicional do Uruapeara que faz parte da cultura da minha família

cestaria, pal de chuva e entre os artefatos a retrato meu com minha mãe.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                              Nos mudamos na quarta semana, tivemos o grande apoio do primo Timaia e da parentada toda da terra firme, ainda assim, foi dolorido. Mas, ficamos agradecidos a prima Antônia por nos ter dado um cantinho de sua casa para guardar nossos patrimônios culturais: Cerâmicas, paneiros, arcos,  flechas, dentre outros.







O movimento de salvar as coisas foi intenso em toda a comunidade.

Branquinha e vermelhinha. a primeira pariu um dia antes de eu pegá-la a outra está aqui na Maloca Querida, em Porto Velho 



Mas, no último dia da semana, depois de tirar as coisas de dentro da Maloca Mura, tínhamos que levar as nossas duas hospedes para a terra firme, pois íamos passar a semana fora em Porto Velho resolvendo coisas, visitando neto, filhos, mãe e irmãos que estavam preocupados conosco. Deixar a cachorra que estava prenha e a vermelhinha foi muito difícil. Chorei muito!





sábado, 13 de abril de 2019

A angustiante espera da subida da água



Quando a água começa a subir não nos resta outra coisa a não ser esperar chegar entrar na casa. Assim ficava a olhar minha vinagreia que estava tão bonita e iria morrer, o cacho de banana cumprida não ia amadurecer, meu canteiro de plantas medicinais que não tive tempo de salvar. Foi uma semana a espiar cada centímetro a subir sem saber se ia parar ou continuar a subir as águas. Na incerteza a comunidade continuava ase movimentar, Os vizinhos indo e voltando de canoa, começando a subir as coisas nas marombas. Eu e Iremar a observar tudo e a fazer nossos registros, lendo, escrevendo, indo ao roçado, visitando e procurando entender tudo junto com os mais velhos e o que sempre nos falavam é que depois de 2014 tudo mudou que nada mais era entendido, que não dependia mais da natureza e sim dos homens que fizeram as hidrelétricas. Assim, passou a terceira semana de fevereiro de 2019.

sexta-feira, 12 de abril de 2019

Depois das Hidrelétricas nossa vida não é mais a mesma









Desde 2007 os rumos de nossas vidas às margens do Rio Madeira começaram a mudar. Começaram a falar sobre a construção de uma hidrelétrica no Rio Madeira. Desde o inicio já começou a dividir as comunidades, os grupos até os movimentos culturais de resistência. De 2007 a 2009 foi só muita manipulação e violações de direitos. Nosso mundo começou a desabar literalmente. Era tratores derrubando vilas, bairros, cidades, revirando sepulturas, para construir novas construções para atender turistas e elites burguesas. Também teve muita luta! Muita Luta mesmo! E agora mesmo depois das construções e da primeira inundação devastadora reunimos forças para resistir e existir. Em 2014 eu estava em São Paulo terminando minha tese de doutorado, tinha dia que eu chorava, ligava para meu companheiro para  e pedia para ele procurar saber como estavam meus parentes e todos da comunidade de Nazaré, porque eu só via noticia da cidade de Porto Velho, Somente no mês de Junho consegui vir a Porto Velho e depois chegar até Nazaré. Lembro do quanto fiquei impactada ao ver tanta destruição, parecia que havia passado fogo nas árvores. Passei uma semana na comunidade, fazia uma semana que as águas haviam descido tudo. Estavam todos retirando a lama acumulada das vias de acesso e reconstruindo a comunidade por conta própria e muita determinação. Foram uma semana ouvido as pessoas falarem de seus traumas por terem ficado mais de quatro meses sem nenhuma comunicação, sem casa, tendo seus direitos humanos violados. Cheguei até a publicar duas entrevistas na revista: nr. 13 da Contemporâneos - Revista de Artes e Humanidades, disponível em www.revistacontemporaneos.com.br


·  Manel Benigno - 62 anos de idade, pequeno comerciante.  Artemis Ávila Ribeiro – 73 anos de idade, professor aposentado, e Maria das Dores Maciel – 57 anos pequena comerciante junto com seu marido Manel Benigno e dona de casa.
Por Márcia Nunes Maciel (USP-SP)

·  Timaia Nunes -  faz parte do Povo Indígena Mura. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Rondônia (2001). É mestre em sociedade e Cultura na Amazônia, pela Universidade Federal do Amazonas. Atualmente é doutoranda em História Social pela Universidade de São Paulo -USP, é pesquisadora do Núcleo de Estudos em História Oral/ NEHO -Núcleo de Estudos em História Oral.
Por Márcia Nunes Maciel (USP-SP)

Dei continuidade nos meus trabalhos de campo do doutorado e cada vez que ia até as comunidades afetadas pelas hidrelétricas percebia os problemas deixados pelas mesmas, passei a ouvir com recorrência queixas de dor de estomago após se alimentar de peixe e casos como o as pessoas da comunidade que ficaram apavorados quando uma curandeira respeitada avisou para não tomarem, mais água direto do rio e igarapés senão ficariam todos epustemados (podres por dentro), O que me chamou a atenção foi o fato de que a equipe de saúde já havia informado da contaminação do lençol freático e ninguém havia feito alarde, o que demostrava ineficácia dos informes científicos, mas o alerta da curandeira teve efeito.
Em 2016 terminei o doutorado e no meio do ano já assumi minhas turmas de história na escola estadual da comunidade. Desde então, moro em Nazaré e 2018 foi a minha primeira enchente vivenciada. Foi uma cheia pequena comparada a de 2014, mas causou transtornos com perdas de plantações e impedimento de acesso terrestre. Algumas pessoas se acidentaram, como no meu caso que me alaguei junto com meu filho e tivemos nossa perna machucada e que me deixou problemas de saúde. Agora em 2019 ela veio maior que 2018 e chegou mais próxima da de 2014, subiu mais de um metro de água em toda a comunidade e já fez no dia 10 de abril três meses que ela não desce. 
Em dezembro de 2018 o nível do rio já estava alto e preocupava os mais velhos. Depois do trauma de 2014, o clima de apreensão já estava se instaurando.
A partir do mês de fevereiro lá para segunda semana a sensação coletiva de insegurança se intensificava, até os que tinham a casa mais alta estavam preocupados. Numa tarde ao andar pelo trapiche de madeira observava minha vizinha cabisbaixa na varanda de sua casa, de assoalho bem alto, no final da tarde olhando para a água. Eu falei pra ela - a água não vai chegar no assoalho não. Ela me respondeu - eu estou com medo visinha a água está subindo muito alta. Infelizmente o medo dela também era o meu e de toda a comunidade.
A cada dia que passava observávamos um nível a mais da água sem nada poder fazer, a não ser esperar a hora de começar a fazer marombas para suspender as coisas até não dá para suspender mais e sair de casa. Assim, ficamos eu e Iremar na Maloca Mura. 
Daqui para frente vou fazer uma postagem para cada sentimento vindo átona no percurso da cheia.
Terceira semana de fevereiro de 2019

quinta-feira, 11 de abril de 2019

seguindo caminhos ancestrais




Por mais que tentem nos apagar basta um sopro para a chama da ancestralidade começar a acender.



Após a vivência com minhas sobrinhas sobre nossas memórias ancestrais, por meio de narrações sobre os antigos da nossa família; literatura indígenas, contações vindas das avós, canto e dança indígena, elas seguiram em busca de seus sonhos levando na bagagem o conhecimento que as repassei e eu iniciei meu caminho ancestral pelo Rio Madeira.

Varando pelos furos à caminho das casas do parentes no Uruapeara, com tio, mãe e irmão.

Retomada de castanhal do tempo das mulheres mais velhas da família.
Crianças do Uruapeara vivenciando literatura indígena 

Sentindo-se renovada

Biscoitos de massa do tempo das mulheres mais velhas

Sobre a chama de uma vela memórias afetuosas de nossa avó se deleneiaram




Seguindo o caminho das águas uma parada em Manicoré



Revisitando lugares em Manicoré deparo-me com alimentos tradicionais que me remetem a minha avó. Nada melhor que tomar um café da manhã com biscoitinhos de massa do jeitinho que minha avó materna fazia; tomar um suco de jenipapo e finalizar com um café acompanhado de um pedaço de bolo de macaxeira. Fui saboreando cada lembrança que vinham bem fresquinhas no sabor e saber da tradição.




Essa igreja em Manicoré é antiga e traz lembranças dolosas de meu avô materno. Minha avó me contou que quando ele e seu irmão eram curumim sua mãe que os criava sozinha, os deu para os padres. Já meios grandes foi dado a eles a tarefa de lavar essas vidraças, mas como todo curumim, ao invés de lavar janelas de igreja eles gostavam mesmo era de arpuar, infelizmente, a brincadeira teve final trágico, pois no momento que o amigo do meu avô se abaixou para pegar a flecha, meu avô flechou bem na hora que seu amigo foi levantando e sua flecha atravessou o ombro do amigo que veio a falecer, por esse motivo, meu avô e seu irmão foram expulsos pelos padres. Assim, os dois irmãos se separaram e vieram a se encontrar novamente somente muito tempo depois, já casados com família num seringal no Estado de Rondônia para dentro do igarapé Cuniã.










Seguindo o percurso até Manaus passamos por Borba que tem uma imensa imagem de São Francisco. Historicamente, foi um aldeamento da ordem Franciscana. Ainda hoje há famílias Mura assumidas na localidade. Minha vó me contava que antigamente, já no tempo dos seringais, Borba era uma localidade santa e quem tinha muito pecado não conseguia subir o barranco, quando estava chegando escorregava e tinha que começar a subir de novo. Hoje tem ainda os festejos, mas agora tem a escada para facilitar ou dificultar a vida dos pecadores.




Após passar uns dias em Manaus com um casal amigo do Povo Indígena Baré, fui para o ponto do percurso que pretendia chegar. O Encontro do Povo Mura na Terra Indígena Santo Antônio. Como o do ano ano passado foi um encontro forte, onde recebi muita consideração, carinho e respaldo. É Sempre bom estar com meu Povo, que para o lado do Amazonas são fortes politicamente.



Vamos continuar (R) existindo!



                          Voltei para Porto Velho com as esperanças renovadas.