segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

O tempo amazônico não tem nada de lento!








Nos tempos de correria, de luta, de resistência, durante um ano houve os mementos de fortalecimento com a família.


Já ouvi muitos pesquisadores falar e escrever que o tempo amazônico é mais lento, mas eu que nele vivo e luto sei que não tem nada de lento. São vários tempos ao mesmo tempo acontecendo. Nosso tempo medido pelas luas, pelas águas, pelos cantos dos pássaros está extremamente ameaçado pelo tempo do tal progresso que atravessa nossas vidas com seus projetos de mortes: hidrelétricas, rodovias, hidrovias, entre outros, com isso intensifica o tempo da luta, da resistência. Nesse tempo da resistência estão as nossas festas culturais, nossas práticas culturais, nossos saberes e sabores, nossos enfrentamentos em defesa aos nossos direitos. Nesse ano de 2019 fizemos tudo isso, fizemos várias frentes, nós do coletivo Mura de Porto Velho. Estivemos junto no fortalecimento político participando de construções de protocolos, estivemos somando na resistência na Amazônia inteira e fora da Amazônia. O ano de 2019 findou e já estamos em fevereiro de 2020, não tivemos pausa. O ano terminou com ataques acirrados aos parentes Guajajara e inciou com os ataques aos Kaiowa, na verdade esses ataques não cessam com todos os Povos Indígenas, todos nós Povos indígenas e populações tradicionais resistimos a 519 anos e vamos seguir lutando.  Compartilho aqui alguns dos nossos momentos de luta para marcar essa passagem de 2019 para 2020 que já se avança com o acirramento de enfrentamentos.

Tempo da quebra da castanha no Uruapeara - Janeiro

Retomada do castanhal pela minha mãe na cabeceira do lago do Uruapeara, estive lá com meu tio Antônio, meu irmão Marcelo, minha irmã Marília, sobrinha Ana Paula e Cunhado apoiando a retomada desse lugar repassado de geração á geração pelas mulheres da família materna desde a tataravó. 

Fazendo a rememoração indígena por meio da roda de literatura indígena no Uruapeara/AM, em Janeiro de 2019.

Tio antônio no furos do lago Uruapeara

Depois do Uruapeara segui para o III encontro do Povo Mura envolvendo os Mura de Careiro da Várzea a ponta de Autazes.

Com as parentas Mura no III encontro do Povo Mura




Fevereiro tempo da cheia que antes das hidrelétricas também tinha fartura, mas depois se tornou tempo de tristeza, preocupações e perdas.


Desocupação da Maloca Mura em Nazaré e abrigo na terra firme na casa da prima Antônia. Desde então não reorganizei a Maloca Mura, estamos em processo de mudança para a maloquinha na terra firme, mas o espaço de resistência cultural e política na várzea se manterá.



Curumins e Cunhantãs ilhados na terra firme participam com suas famílias na farinhada. Devido a alagação das roças o trabalho em desmanchá-las se intensifica no tempo da cheia que cerca a terra firme. Ainda assim o Estado não considera os moradores da terra firme como afetados pela cheia/Inundação.


O mês de Março entre enfrentamento ainda das inundações, da paralisação escolar em Nazaré por falta de transporte, Lucas e Tanã representando o coletivo somaram em Porto velho junto com os demais parentes na luta pela saúde indígena.



Meu sobrinho fazendo flecha na terra firme. 



Recebemos nosso cacique Nelson Mura e toda a família Mura do Itaparanã para apoiar no tratamento de nosso cacique e lutar por sua vida, após um ano de negligência da saúde indígena de Humaitá.



Após o acampamento Terra Livre, pela primeira vez fiquei uns dias a mais esperando o dia do retorno de avião. Passagem comprada para pagar de dez vezes. Porque nossa luta é bancada por nós mesmos e pelo apoio de parentes indígenas e aliados. Nesse dia estava indo para o aeroporto e a amiga do Iremar que estava me hospedando, os dias que precisei esperar meu vôo, levou-me para conhecer uma lagoa construída em Brasília e me impressionei com o céu, o que me fez lembrar da queda do céu de Davi Kopenawa.

Em Brasília no acampamento Terra Livre de Abril de 2019 tive a felicidade de encontrar parentes Mura do Amazonas.





Após o acampamento Terra livre ao chegar em Porto Velho participei com o coletivo Mura do seminário sobre resistência Indígena realizado no Instituto Federal de Rondônia, onde fizemos a apresentação de Emanuel Mura como uma das nossas lideranças do coletivo Mura de Porto Velho.


Mês de Maio seminário de resistência indígena da calha do Madeira - Povo Mura, Tenharim, Parintintim, Munduruku e outros. Enquanto isso, a cheia continuava e a escola em Nazaré parada por causa da negligência do Estado com os transportes dos alunos.


Mês de Junho começando a construção da maloquinha na terra firme e contribuindo com o início das conversas sobre o protocolo de consulta na Terra Indígena Itaparanã do Povo Mura.


Participação em Julho de 2019 no Simpósio Internacional Povos Indígenas onde coordenei uma roda de conversa e vivências de memórias indígenas junto com a Mukuá, onde pude contar com o apoio da parenta Márcia Kambeba e Edson Krenak, escritores indígenas e demais parentes indígenas do Tapajós, da Ilha do Marajó, de São Paulo e outros lugares do Brasil, bem como de aliados e aliadas não indígenas. 


Em Julho depois de termos lutado tanto pela vida do nosso cacique Nelson Mura ele fez sua passagem. O seu ritual funerário mostrou-me a importância dos rituais nesses momentos difíceis de perda.






Mês de Agosto de 2019 entre vistoria de invasão no Território Mura do Itaparanã,





 Marcha das Mulheres Indígenas em Brasilia e participação de ação indígena com os parentes  Guarani, Payaiayá, Aimara, Pakararu, Pakararé, entre outras, etnias e vivem em São Paulo e no enfrentamento as queimadas junto com o coletivo Mura na comunidade maravilha do outro lado do Rio Madeira.




Mês de Setembro de 2019 participação na assembléia das mulheres indígenas de Rondônia a Terra Indígena do Povo Tupari em Alta Floresta, onde iniciei na luta minha sobrinha Eduarda e pude está também com Minha sobrinha Yjjek Karitiana que também passou se afirmar como Mura, a partir do conhecimento da nossa afirmação. Foi um encontro de fortalecimento de todas as mulheres indígenas de Rondônia nas lutas em defesa do nosso território e nosso espirito. Em seguida a tão sonha da por mim roda de conversa e vivência sobre o tempo que as mulheres faziam panela de barro em Nazaré. Onde tive o apoio das mulheres mais velhas. Foi muito lindo.


Outubro de 2019.  Retomada das aulas em Nazaré apos praticamente o ano todo com a escola parada. Trabalhando com literatura indígena em sala de aula.

Novembro ainda abalada com as perdas do meio do ano do cacique que se somou com a perda da tia Izolina, fui com minha mãe num dos seus espaços perto da natureza para me reanimar.


Novembro de 2019 deixei todas as atividades planejadas e pessoa preparada para dar continuidade nas atividades na escola e fui trocar experiências com o grupo de pesquisa que faço parte - Núcleo de Estudos em História Oral -USP onde tive a alegria da visita das parentas indígenas. Em seguida estive no Pará fortalecendo e sendo fortalecida a luta de resistência indígena e afro em Cametá no Pará. (infelizmente os registros em Cametá foram perdidos devido a um problema no meu celular, mas ainda encontrei dois registros um com a professora Celeste que  é uma grande aliada da luta e outra com uma de suas alunas que fez parte da grande comissão de apoio, todos e todas muito comprometidos com a luta indígena e afro.


Dezembro marcado pela defesa da parenta Sueli Oro Mon no curso de ciências sociais da Universidade Federal de Rondônia, onde pude contribuir como parte da banca e defender uma avaliação respeitando a percepção indígena. Foi uma grande conquista para nós mulheres indígenas a defesa do TCC da parenta que apresentou a pesquisa sobre violência contra mulheres indígenas dentro da nossa percepção. voltei para Nazaré realizada por está mais uma vez me utilizando do meu titulo de doutorado para a luta indígena.

Tudo isso é alimentado por Namatuiky que conduz minha vida e que me deu mais uma razão para viver...  meu netinho




Dia seis de dezembro de 2019 aniversário do meu neto Buhuraen, comemorado no dia sete de com a comunidade de Nazaré