quarta-feira, 29 de abril de 2020

Mura no enfrentamento do Coronavírus

MURA NO ENFRENTAMENTO DO CORONAVÍRUS

Mura na fileira da frente - manifestação Indígena em Humaitá em 2013 (Eu Márcia Mura com parentes Mura do Kapanã e Baiêta).
foto: Iremar Ferreira




Representantes Mura de Porto Velho,
Autazes e Itaquatiara.
 no acampamento Terra Livre (2019)

Eu sou Márcia Mura, moro numa comunidade ribeirinha às margens do Rio Madeira, chamada de Nazaré, mas, para os mais velhos é denominada como Furo. Vivo em Nazaré os modos de ser indígena e faço a afirmação Mura na escola e na comunidade.



Tive que na segunda semana de isolamento social, vir para a cidade para poder fazer as articulações politicas e acompanhar meus parentes Mura de Rondônia e Amazonas em diferentes espaços: aldeias, espaços ribeirinhos e urbanos.




Tenho acompanhado os desafios que meus parentes estão enfrentando em seus territórios, seja nas aldeias, seja na cidade, por isso, em comum acordo com as lideranças com quem estou me comunicando decidi lançar uma campanha de apoio para o enfrentamento do Coronavírus, tendo em vista os desafios enfrentados.

Segue as informações sobre nós, para que possam nos conhecer e nos apoiar:


Quem São os Mura

O Povo Mura encontram-se no estado de Rondônia e do Amazonas com também famílias dispersas em toda a Amazônia.

Atualmente, a maior concentração do Povo Mura encontra-se no Amazonas, em terras indígenas demarcadas, não demarcadas, reivindicadas e também em espaços urbanos. Dentre os territórios Mura no Amazonas, está Autazes que abrange terras Mura em Careiro da Várzea e vai até a ponta de Autazes.

O Rio Madeira é território ancestral Mura e liga Rondônia ao Amazonas, divisão feita pelo Estado brasileiro, mas, antes da colonização os Mura ocupava o Rio Madeira sem essa divisão. Ainda no século XVII os Mura foram a barreira que impediu por 100 anos o avanço do Portugueses e Espanhóis na Amazônia, via Rio Madeira.

Onde estão os Mura atualmente

Em Rondônia, há famílias Mura em espaços ribeirinhos e urbanos, na cidade de Porto Velho, território de memória ancestral Mura e comunidades ribeirinhas das margens do Rio Madeira.


Memórias orais registram a presença dos Mura no Rio Madeira e no mapa de Curt Nimuendaju, que marca o território Mura ao longo do nosso rio ancestral. Na atual Porto Velho, a datação da presença Mura é de 1725, no entrocamento do rio Machado com o Madeira, indo até o rio Capanã a datação é 1714. 

Ao verificarem o referido mapa será possível visualizar os Mura adentrando outros rios como o Purus, o Negro, Solimões e vários outros rios e lagos. 

Os Mura com suas estratégias de defesa de seu território foram tomados como o terror para os colonizadores e por isso foi declarado a chamada "guerra justa" pela coroa portuguesa contra o Povo Mura, assim o ataque ao Povo Mura, os assassinatos autorizados, fez com que o houvesse uma dispersão do Povo, e descendo o Rio Madeira sentido ao Amazonas.

No século XIX, os Mura já eram considerados desaparecidos, mas com a revolução da Cabanagem, digo que foi uma revolução e não uma revolta, porque mexeu com as estruturas sociais e de poder e de fato, houve mesmo que por pouco tempo um governo popular que foi massacrado pela coroa portuguesa aliada a coroa espanhola, pois essa parte da Amazônia ainda correspondia ao Grão Pará que era subordinada a coroa portuguesa. 

I Encontro Mura da Amazônia - Aldeia Cissaíma (2018) Foto: Márcia Mura

A violência empreendida com toda força aos Mura se deu porque não fizeram negociações com os colonizadores e deixaram grandes cicatrizes na memória do Povo. 

No território Mura em Careiro da Várzea, nas proximidades do Novo Céu, há uma aldeia Mura por nome de Cissaíma, que significa cegueira, que segundo os parentes de lá deram esse nome a aldeia para lembrarem da história dos antepassados que resistiram aos massacres, segundo eles, na época dos antigos os colonizadores furaram os olhos de todos os homens, só não das mulheres e por isso, o nome Cissaíma. 

Essa memória de violência fez com que por muito tempo parte do Povo Mura, que foram introduzidos nos espaços de seringais deixaram de se identificar como Mura e viver apenas como seringueiros, ribeirinhos e mesmo assim, mantiveram sua relação com a natureza.

No Amazonas na região de Manicoré até Humaitá ocorreram várias retomadas de território Mura a partir dos anos 2000. Infelizmente, essa retomada não passou de Humaitá, município do Amazonas fronteira com Rondônia.

Em Porto Velho há o coletivo Mura composto por pessoas que se identificam como Mura com base na memória dos mais velhos. Esse coletivo tem como principal pauta o reconhecimento de Porto Velho como território ancestral. Atuamos com projetos de afirmação Mura nas comunidades ribeirinhas.

Ao contrário do que alguns desenformados falam, os Mura existem e resistem em Rondônia ainda inviabilizado, mas no Amazonas são muitos e com muita força política.



III encontro Mura - Autazes (2018)
Foto: Um aliado não indígena que tirou.
Os Mura estão nos seguintes municípios do Amazonas:

Humaitá, Manicoré, Novo Aripuanã, Borba, Autazes, Careiro Castanho, Careiro da Várzea. Manaquiri, Beruri, Novo Airão, Itacoatiara, Silves, Iranduba e Manaus. 



Segundo o CIM- Conselho Mura de Autazes, só na região de Careiro há 11 aldeias, na região do Madeira (correspondente ao território de Autazes) 7, na região do Rio Preto 6, na região de Muritinga 7, Boca da Estrada 12, Paraná do Autaz-Açu 3. 

Em Borba há também uma grande concentração Mura, segundo Zenilto Mura, importante liderança politica no Movimento Indígena no Amazonas, as aldeias são: Cunhã Sapucaia, Limão, Arari, Setemã, Kawa entre outras. Somam 3.100 indígenas Mura. 


Coletivo Mura - Porto Velho Foto: acervo coletivo Mura
Em Rondônia: Há famílias Mura na cidade de Porto Velho, e em comunidades ribeirinha, identificados: Comunidade Maravilha, Nazaré, Boa Vitória, Cavalcante e Calama. Alguns parentes indígenas de Guajará Mirim informaram a presença de famílias Mura numa comunidade ribeirinha na proximidade de seu território nas margens do rio Mamoré. O coletivo Mura ainda está fazendo esse trabalho de identificação de acordo com os critérios que consideram a memória dos mais velhos.

Em Porto Velho temos a Maloca Querida, local de articulação do Coletivo Mura de Pvh, que é um ponto de apoio na cidade para os Mura que vivem na T.I. Mura do Itaparanã (aldeia localizada no km 90, BR 230 - Transamazônica, de Humaitá a Lábrea), quando vêm resolver problemas de saúde e de proteção do território.



Terra Indígena Itaparanã (2018) Foto: acervo coletivo Mura


Nós da Maloca Querida e do Coletivo Mura somos apoio para os Mura do Itaparanã e para nós, eles são nosso apoio político, cultual e espiritual. Somos conectados. Assim também estamos unidos na luta com os Mura do Amazonas e demais povos da região.


Como os Mura estão enfrentando o Coronavírus - COVID 19


Lideranças Mura fazendo barreira na rodovia que passa dentro do território Mura e liga Autazes a Manaus/AM  (foto enviada por eles)

Devido a necessidade de isolamento e dificuldade de comunicação não temos informações de todas as terras indígenas Mura, mas aquelas que estão conseguindo se comunicar tem repassado notícias; Todas estão fazendo o enfrentamento com suas próprias organizações politicas, fazendo uso na medida do possível da alimentação e medicina tradicional, contando muito mais com seus saberes ancestrais do que com os órgãos governamentais.

Em Autazes desde o inicio as lideranças se organizaram por conta própria para bloquear acessos às suas aldeias. A partir do primeiro caso de coronavírus na cidade de Autazes, lideranças tomaram a atitude de fechar a rodovia que liga Autazes à Manaus e passa por dentro do território Mura, para diminuir o fluxo que estava intenso. 
Estão se organizando por conta própria e devido aos esforços físicos, alguns estão adoecendo. 

Dentre as vítimas do Coronavírus já morreram dois Mura, um na cidade de Manaus ainda no começo de abril e outro numa aldeia na cidade de Autazes.

Em Borba também estão fechados para entrada de não indígenas e controlando entrada e saída, mas enfrentam o desafio de ter que ir na cidade para receber seus benefícios.

No Itaparanã estão enfrentado muitos desafios, pois as invasões e desmatamentos continuam mesmo em período de pandemia. Estão sem apoio devido da FUNAI e SESAI. Não possuem transporte próprio e com a paralisação dos ônibus, que faziam a rota Lábrea - Humaitá estão encontrando grande dificuldade para irem na cidade receber seus benefícios que são poucos. Estão se organizando para fazerem compra de produtos que não cultivam na aldeia, como arroz e feijão e outros produtos, embora mantenham a maior parte de alimentação tradicional. Por outro lado, não receberam até o momento, orientações e nem material de prevenção do Coronavírus, por parte da CASAI de Humaitá, Polo Base, e por conta própria buscam as informações e estão procurando se cuidar.

Quais suas demandas para o enfrentamento do Coronavírus

No geral precisam de doações financeiras para adquirirem os produtos de higiene pessoal e limpeza, máscaras, combustível, cestas básicas. 

A solicitação de doação financeira e não em produtos se dá pela dificuldade de fazer chegar até estas aldeias os mesmos, já por meio dos recursos financeiros, faz-se chegar até os responsáveis de cada comunidade e estes farão as compras necessárias.

A necessidade de manter as barreiras nas entradas das aldeias, muitos não conseguem pescar e desenvolver suas atividades de sustento, havendo assim, essa necessidade de apoio para complementar alimentação básica.


No Itaparanã o apoio também se dá na pressão à Funai para fiscalização, demarcação da terra e expulsão dos invasores.

Devido os territórios Mura estarem distantes uns dos outros foi disponibilizado os dados bancários de Márcia Mura da Maloca Querida e coordenadora do Coletivo Mura de Porto Velho, a qual irá receber as doações e redistribuir aos representantes de cada Território. 

O repasse se dará em ordem de prioridade ao Território com maior dificuldade no momento.

Kuekatu reté a todas e todos que contribuírem com a resistência e existência Mura.


MÁRCIA NUNES MACIEL - MÁRCIA MURA

segunda-feira, 20 de abril de 2020

Todo dia é dia de luta indígena


No dia 19 de abril muitos da sociedade não indígena resolvem falar de "índio", principalmente nas escolas de ensino infantil da cidade onde as crianças são fantasiadas de "índio", colocam cartolina com peninhas e pintam as crianças com batom, alguns até mesmo hidrocor; raros casos os que se preocupam de pelo menos usar alguns lápis próprio para a pintura facial. Nada contra que se trabalhe a temática indígena nas escolas não indígenas, ao contrário tenho tudo a favor, mas não só no dia 19, que seja uma prática da escola como parte do componente curricular, conforme garante a Lei Nº 11.645, de 10 março de 2008. Embora, com as alterações feitas nas lei de diretrizes de base, muita coisa não ficou mais assegurada, nada impede que os projetos políticos pedagógicos possam contemplar o respeito aos Povos Originários desse país, às especificidades culturais de cada Povo e levando a percepção indígena para a escola, ao invés de manter um olhar estereótipo do "índio". 
É bom lembrar que todos os dias é dia de luta indígena, não apenas no dia 19 e no mês de abril, no entanto essa data no calendário não indígena, foi uma reivindicação do movimento indígena que soube muito bem tornar o mês de abril, um mês para enfatizar nossas pautas, concentrar nossas mobilizações e fazer chegar à nível nacional e internacional nossas reivindicações e denúncias das violações de nossos direitos, tendo em vista, que nesse mês pelo menos uma parte da sociedade não indígena está voltada para nós Povos Indígenas. Mas, antes e depois de abril nossa luta nas aldeias e nas cidades acontecem. 
Como no dia 19 eu estava muito ocupada atendendo a demanda da escola que trabalho, não tive tempo de compartilhar um pequeno vídeo falando dos desafios enfrentados na nossa escola e deixando uma mensagem para os educadores e demais pessoas que se interessam em saber sobre nós indígenas.

Espero que esse pequeno vídeo contribua em alguma prática diferente nas escolas, só peço que observem onde eu falo parenta Kauê é Kaê Guajajara. E sobre a atividade de ocupação na escola que mencionei já fiz uma postagem nesse blog.

Esse é um registro de atividade onde minha irmã Maíra e minhas sobrinhas Ludimilla e Letícia fizeram apresentação de uma coreografia de Balé Clássico e depois mais duas coreografias, uma da música do Grupo "Minhas Raízes" que é da comunidade e outra da música Território ancestral da Kaê Guajajara.

A ideia da apresentação de uma dança do balé clássico e duas com os ritmos musicais e movimentos corporais do contexto ribeirinho e indígena, foi para proporcionar o contato dos alunos com o balé clássico e depois mostrar nossos próprios ritmos e movimentos. Mostrar aos alunos o quanto é importante valorizar a própria cultura, independente do lugar que estejam e após a apresentação da dança e das trocas de vivências, elas falaram de suas experiências. Foi um momento lindo, pois além da apresentação das danças elas falaram de sua afirmação Mura. As crianças do turno da manhã, que foram contempladas com essa vivência no mês de janeiro na escola, amaram, conforme pode ser observado em seus semblantes, aplausos e trabalhos em sala. Foi uma troca linda dos alunos e alunas com as meninas artistas, nessa ocupação cultural Mura.

Também mencionei no vídeo, sobre meu retorno para Nazaré e das vivências indígenas, ribeirinhas e diversidade cultural. Segue algumas imagens:


Restabelecendo minha relação com os lagos, as florestas e os parentes no meu retorno para Nazaré, que iniciou em 2009 (nessa foto já havia se passado seis anos). Mas, somente em 2016, quando terminei o doutorado em História Social na USP, que fui morar em Nazaré e trabalhar na escola estadual. Nesse meio de ano de 2020 completará quatro anos. 


Depois de três anos morando na parte da vila de Nazaré, Iremar e eu resolvemos aceitar o convite dos parentes de dentro, mais próximo da floresta e fazer nossa casa tradicional, coberta de palha e cercada de paxiúba, que já está quase pronta. 



Nós a chamamos de maloquinha.   


Vivências na Escola




Minha primeira atividade sobre cultura indígena na escola com a turma do primeiro ano, logo que cheguei, em 2016, em pareceria com a professora Rebeca, na época estagiária da disciplina de Matemática, atualmente é a professora da escola.

Com meu filho Lucas Mura e minha amiga Deise da arqueologia fazendo vivência com a arte indígena na escola. (2017)

Fazendo grafismo Indígena numa das minhas alunas. (2017)

Meu filho Lucas Mura fazendo grafismo no meu sobrinho João, filho da minha prima Antônia. (2017)

Vivencia indígena com Edgar Calel artista do Povo Indígena Maya. (2017) 

 Nosso vivência de roda de conversa sobre modos de ser indígena na escola, em 2017.




Primeiro encontro de saberes e sabores coordenado por mim e meu primo Timaia (2016). 

Nesse encontro de saberes houveram trocas de alimentos tradicionais sem receita gourmet, somente as receitas das avós, dos bolinhos de farinha dá'gua à chicha doce e os remédios tradicionais, com direito a aula de uma das alunas sabedora tradicional, minha prima Elza, que nos ensinou como é feito os banhos de folhas medicinais. Ainda teve a exposição dos primeiros adereços indígenas produzidos pelas minhas sobrinhas Eliene e Erica filhas da Elza, que junto com o Tanã, meu filho mais novo, que terminou os últimos meses do terceiro ano do ensino médio na escola. Falaram para os demais da importância da afirmação indígena à partir de suas experiências. 



As fotos que registraram esses momentos não estão digital e na enchente de 2018 quando tivemos que sair da nossa casa, não sei onde guardei, mas assim que acabar a pandemia, vamos para nossa nova maloquinha e ai vou procurar nas coisas que ainda estão empacotadas.   





Sarau ribeirinho: arte e diversidade, coordenado pelo meu primo Timaia a Eugênia, diretora pedagógica na época (2018), onde apresentei uma narrativa indígena.


Temática do desfile de sete de setembro, onde eu e meu primo Timaia retomamos desde 2016 a prática que meu tio e pai dele que foi o primeiro professor de Nazaré, fazia dando outra significação para o 7 de setembro, trazendo a valorização da cultura local e as reivindicações de melhoria educacional. Em 2018 eu Timaia trabalhamos a temática do Extrativismo dos Povos da Floresta.



Alessandra Apurinã lendo um poema que traz a crítica ao termo "índio", que está no livro da Márcia Kambeba - Ay Kakyri Tama. (Atividade de sala de aula, 2019)


Experiências com literatura indígena em sala de aula, (2019)



Encerro com um registro junto com Lucas Mura e Timaia, de um dia que foi muito especial para nós e que vai para além das ações da escola, o lançamento do CD do Boi Curumim no teatro estadual em Porto Velho (2015). 


Kuekatu reté.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Um homenagem para minha mãe




Ela é mulher da floresta, das águas...  Foi arrancada do seu mundo ainda adolescente...
Seu mundo desabou de vez quando seu pai fez a passagem...
Na cidade, lavou, passou, cozinhou, limpou a casa de gente rica e de não rica...
aprendeu a fazer o serviço bem feito na casa dos outros...
Na infância gostava de desenhar... mas abandou o caderno onde esboçava seus desenhos para trabalhar na roça...
Na cidade encontrou seu primeiro amor... Teve sua primeira filha...
Não durou muito a vida a dois... voltou para casa da mãe e juntas voltaram para um dos lugares familiares às margens do rio Madeira...
Precisou voltar para a cidade para trabalhar tinha uma boca para alimentar...
Se apaixonou várias vezes, mas logo o príncipe virava sapo...
Não se deixou subjugar... preferiu criar os filhos sozinha...
Entre arriscar a felicidade longe da mãe escolheu ficar por perto...
única filha mulher preferiu a chance da felicidade escapar do que longe da mãe ficar..
Já depois de muito caminhar encontrou um companheiro que resolveu com ela caminhar...
São muito diferentes um dos outro... Mas na diferença construíram uma vida onde ela gera seu último filho, o sétimo! Era para ser oito, ela disse que era para ser uma menina, pois até sonhou com ela, mas não vingou.
Depois de tanto trabalho, de tanto batalhar, mas sem antes suas últimas forças esgotar, conseguiu aposentar...
Vive agora a percorrer seu território... Mora na curva do Rio Candeias em frente a uma castanheira, passa o rio Candeias, desce o Rio Madeira e longas temporadas vai passar na boca do lago do Uruapeara, lugar de origem da sua mãe. Lá em se sente mais perto da avó, da mãe e da irmã que já fizeram a passagem.
Depois de quase toda sua vida gastar para seus filhos vir a estudar vou a ser a mulher da flores e das águas amazônicas...
Gosta de tomar banho no igarapé da água transparente para conversar com as piabas...
Passa o tempo a pescar, plantar e a visitar a a parentada...
Hoje mais um ano de vida veio a completar...
Viva essa mulher, minha mãe, minha referência de guerreira.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

literatura em tempo de quarentena




Em tempos de pandemia temos que redobrar os cuidados com nossas crianças que estão precisando ficar em casa e não podemos deixar que o medo chegar em seus corações.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Mais uma vez nós indígenas ameaçados por doenças vindo de fora

Desde quando foi deflagrada a pandemia do Coronavírus no Brasil, nossa Pindorama, terra de muitas palmeiras, território ancestral, logo me remeti a história de genocídio que nós indígenas enfrentamos desde a chegada dos europeus, não só no Brasil, mas em toda a América, nossa Abya Yala a Casa Comum. Lembrei também das narrativas das mulheres e homens mais velhos do povo indígena Cassupá, daqui de Rondônia, que foram contactados na década de 40 do século XX. As narrativas do trabalho de história oral que realizei ainda na minha graduação no bacharelado história e resultou na minha monografia intitulada: "A construção de uma identidade", trazem as imagens da memória das colaboradoras e colaboradores que escaparam da morte. Uma imagem forte de uma das narrativas é a da catapora contraída por uma das colaboradoras. Ela descreve as bolhas no corpo e todo seu sofrimento. Mas, ela escapou da vala onde eram jogados todos os que contraíam catapora e sarampo, pois esse era o método que o SPI - Serviço de Proteção ao Índio utilizava para impedir que a doença se espalhasse. 
O SPI foi criado no início do seculo XX (1910), inicialmente sua função era contactar povos indígenas com o argumento de protegê-los e localizar trabalhadores nacionais, na prática retirava os indígenas de seus territórios tradicionais, para tratamento de saúde e ou para introduzi-los na organização de trabalhos que não diziam respeitos a suas culturas, como o de marcenaria. As narrativas que compõem a minha monografia de bacharelado trazem presente a trajetória dos Cassupá, que foram retirados de seu território e utilizados nas frentes de atração de outros indígenas até então não contactados. Os colaboradores e colaboradoras narram como eram tratados nos postos de atração do SPI, onde eram colocados diferentes povos indígenas numa mesma área, eram obrigados a falar a língua portuguesa e a executar trabalhos na área de construção, quem se recusava a aprender a língua portuguesa e os novos trabalhos, apanhava e não comia.   
Foi um tempo de grande genocídio na Amazônia ocidental, considerada na época como espaço vazio e que foi atravessada pelas linhas telegráficas e no mesmo período também outro projeto que representava o progresso rasgou a floresta e passou por cima de territórios indígenas, a ferrovia. Muitos povos indígenas foram contaminados com sarampo e catapora por meio de roupas levadas pelas equipes de contato e um rastro de morte foi deixado pelas linhas telegráficas e pela ferrovia Madeira Mamoré. Levi Strauss descreve em seus livro "Tristes trópicos" (1996) os "trapos de gente" que ele foi encontrando no  percurso das linhas telegráficas, quando ele chegou até os Nambiquara, o povo das cinzas. Não considero que Levi Strauss tenha sido etnocêntrico ao denominar como "trapos de gente" as pessoas, ou grupos que foi encontrando no caminho, por que foi o que restou desses povos. 
Por meio das narrativas que construí e de leituras bibliográficas, constatei que as linhas telegráficas passaram por cima de territórios indígenas reduzindo-os a pequenos grupos, que tiveram que por meio de inter casamentos se juntarem para se reconstituírem.  
Na monografia de bacharelado de história de Iremar Antonio Ferreira, intitulada como "Os que tocam Taboca" (1997), o autor trouxe presente num dos capítulos os campos de redução indígena, onde compara a colônia Rodopho Miranda, construída pelo SPI na localidade que era denominada de Vila Velha, atual cidade de Ariquemes, para onde deslocavam os indígenas contactados doentes e os com saúde, com a intenção oficial de ensinar o trabalho com marcenaria. Entretanto, num lugar isolado, onde adoeciam e morriam por esse motivo, Iremar denominou de colônia de redução indígena fazendo referencia ao campo de concentração nazista. 
Atualmente, em Rondônia há mais de 50 povos indígenas que resistiram e se mantém em seus territórios, outros ficaram no apagamento, passando a viver como seringueiros, mas que aos poucos reconstruíram suas memórias ancestrais e passaram a reivindicar seu reconhecimento e seus territórios. No caso dos Cassupá, passaram por uma longa trajetória e hoje um dos núcleos se encontra em Porto Velho, numa área do antigo Ministério da Agricultura onde foram deixados com a extinção do SPI no final da década de 60 e que com muita luta conseguiram demarcar uma pequena área com apoio do Ministério Público Federal. 
Toda essa história me veio a lembrança com essa ameaça que estamos enfrentando do Coronavírus e apesar de estarmos em pleno século XXI, mais uma vez corremos o risco de enfrentar mais genocídios. Digo isso, porque temos um presidente que é declaradamente contra a demarcação das terras indígenas e que em seu plano governamental retoma a velha ideia de introdução do indígena na sociedade nacional, dizendo que nós já estamos cada vez mais nos "tornando seres humanos igual a eles" não indígenas, e fazendo um discurso de que está nos valorizando ao mostrar o interesse de explorar os minérios dentro dos territórios indígenas. 
Em seu governo atualiza o discurso do século XIX, de que é preciso introduzir o indígena na sociedade nacional, política de genocídio, de extermínio dos povos indígenas. Agora com a pandemia que ameaça o mundo inteiro, Bolsonaro está preocupado com a economia e não com a vida das pessoas. Para nós povos indígenas a ameaça é ainda maior, pois temos que continuar lidando com as invasões de nossos territórios, com a precaridade da saúde indígena que já negligenciou tantos dos nossos os levando à óbito. E agora? A saúde indígena não vai melhorar de um dia para outro. Então, cada povo indígena está procurando suas próprias estratégias de defesa, fechando a entrada de seus territórios, fazendo remédios tradicionais, pajelança, buscando seus direitos. O fato é que não estamos nada seguros. 
Um parente Guajajara foi assassinado em plena obrigatoriedade de isolamento social para evitar contágio do Coronavírus, ou seja, os assassinos dos povos indígenas continuam em ação. É muito preocupante a vulnerabilidade em que se encontra os Povos Indígenas tanto das aldeias quanto os que vivem na cidade. Para os que vivem na cidade tem outro agravante que é a discriminação que sofrem quando procuram atendimento via saúde indígena. Há vários casos de indígenas que vivem na cidade que precisam recorrer ao ministério público para poder ser atendido. 
Uma coisa que me chamou a atenção foi o caso da morte do indígena  que morreu em Brasilia, sendo noticiado pela mídia que seria o primeiro caso de indígena a morrer com o Coronavírus em Brasilia, depois foi retificada a notícia no https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,primeira-morte-por-covid-19-em-brasilia-e-de-indigena,70003251432 dizendo que houve desencontro de informações e se deu devido a indicação de suspeita da doença no atestado de óbito, que em si não informa a causa da morte. Ainda de acordo com a matéria o indígena morava desde fevereiro na capital federal, em um assentamento na Rota do Cavalo, onde moram indígenas e não indígenas. Ele deu entrada em uma unidade de pronto atendimento em Sobradinho, com febre e dificuldade de respiração e tinha histórico de hipertensão e diabetes. Me pergunto por que não quiseram computar esse caso como Coronavírus, se ele era do grupo de risco e apresentava sintomas do contágio do vírus e veio a óbito? Essa é uma questão que para mim não ficou esclarecida e negligenciada. 
Outra pergunta que estou me fazendo é sobre o caso do indígena Marubo, que apresentou sintomas do contágio do corona vírus após contato com casal de missionários em Atalaia do Norte, no Amazonas, distante 1.138 quilômetros de Manaus, na tríplice fronteira do Brasil com a Colômbia e o Peru. É porta de entrada para o Vale do Javari, que abriga vários povos indígenas, dentre eles povos livres que escolheram não manter contato com a sociedade nacional e são alvos de missionários. De acordo com a matéria do site Amazônia Real, o Secretário de Saúde do Ministério da Saúde, sr. Robson Santos Silva fez o seguinte comunicado: "que está aguardando o resultado do exame no indígena Marubo com suspeita de coronavírus. Silva disse que, como o indígena não é aldeado, isto é, mora na cidade, o atendimento dele é pelo Sistema Único de Saúde (SUS).“Neste caso é feito o exame, estamos esperando o resultado. O rapaz que está doente, ele não mora na aldeia. A Sesai cuida de indígena aldeado. Então, infelizmente, a gente, embora reconheça o colega (indígena), esse aí está na base do SUS”, Destacando ainda que “Qualquer informação de confirmação (de coronavírus), ele ficará de quarentena”
Esse caso do indígena Marubo ilustra bem a discriminação cometida pela Secretária de Saúde Indígena para com os indígenas que vivem na cidade, como se o fato de estarem na cidade deixassem de ser indígenas, ou seja historicamente houve uma politica de pressão aos territórios indígenas, precaridade no atendimento a saúde e educação escolar, invasão territorial e vários outros motivos resultantes do processo de desterritorialização de famílias indígenas de seus territórios e ainda são culpabilizados por estarem na cidade e discriminados pela SESAI. Então, o indígena que vive na cidade não tem o direito de se quer se computado nos casos de morte causadas pelo Coronavírus? Ao apresentar sintomas terá que procurar um pronto atendimento do SUS, sem nenhuma prioridade, sem ser considerado sua fragilidade imunológica, condenado a morrer e não ser computado nos dados da SESAI?

Cacilda e as filhas Michelle e Kelly em seu “ponto” na Rua XV: viagens a cada 15 dias para a capital | Fotos: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo
Cacilda e as filhas Michelle e Kelly em seu “ponto” na Rua XV: viagens a cada 15 dias para a capital| Foto: Daniel Castellano/ Gazeta do Povo

Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/venda-de-artesanato-indigena-expoe-criancas-a-risco-social-78d18wrvrnea5p4wij8oobuxm/

Já basta toda a situação de pobreza e preconceitos que muitos indígenas enfrentam na cidade.  Por que será que a SESAI está ignorando os indígenas da cidade que apresentam ou que poderão apresentar sintomas de contágio do Coronavírus? Será que é para não assumir sua responsabilidade institucional, ou por concordar com a política genocida do atual Governo? Fica a questão para pensar. Espero que Ministério Público Federal e demais órgão da Justiça atuem em favor da Vida dos povos indígenas e dos demais excluídos pelos ricos da sociedade nacional.

quinta-feira, 2 de abril de 2020

No meio de tanta dificuldade o riso, a arte a esperança

Chegou janeiro de 2020 veio as comemorações de passagem do ano velho para o ano novo, mas o que não foi concluído no ano que passou teve que continuar. Não fiz minha viagem para o Amazonas, onde percorro os caminhos das águas acentrais Mura, por que não tive férias em Janeiro, nem eu nem os demais professores da escola estadual de Nazaré. As dificuldades na escola só aumentaram, a infra-estrutura para trabalhar ficou ainda mais precária. 
Como foi difícil esse mês de janeiro, ainda assim, foi possível realizar alguns momentos de interação e construção de conhecimento coletivos.
No meio de toda essa dificuldade aconteceu uma coisa maravilhosa!  Nós da Maloca Querida participamos do projeto pindorama dirigido por minha irmã, um projeto gestado durante todo o ano de 2019 junto com minha irmã Maíra, ela que criou o espetáculo eu só contribuí compartilhando nossos conhecimentos culturais e trocando ideias sobre decolonização. Fazer essa troca de saberes com minha irmã foi muito importante para mim, porque não era apenas trocas conceituais, mas sim, partilha de conhecimentos repassados de geração a geração e também um processo de afirmação indígena que ela estava começando. 
O espetáculo Pindorama foi muito ancestral, foi lindo, foi incrível! todo ele, cada apresentação. Fiquei imensamente feliz quando vi as criancinhas fazendo uma coreografia da música Pindorama e a partir daí foi só uma emoção atrás da outra. Foi tão simples e tão incrível ao mesmo tempo. A escolha das músicas, cada movimento, cada expressão, cada silêncio, cada grito, cada choro, tudo foi verdadeiro, foi realizador.
Foram dois dias intensos de realizações, a técnica desapareceu e transcendeu a ancestralidade, a emoção. Os corpos em movimentos com suas histórias que saíam do silenciamento, da exclusão, da marginalização, o belo da nossa cultura e a flecha apontada para todo o etnocídio e o berimbau para enfrentar todo o racismo.
Quem foi prestigiar, teve a oportunidade de ver, de sentir, toda nossa força ancestral! 



Primeiro apresentamos Pindorama território ancestral, música da Kaê Guajajara com coreografia criada e apresentada por Letícia e Lulidimilla, na Maloca Querida, Porto Velho. Depois os grandes momentos no palco do SESC de Porto Velho, o projeto Pindorama possibilitou que crianças, adolescentes, jovens e adultas invisibilizadas mostrassem suas forças de expressão artística enquanto vida e história marcadas em seus corpos. Foi tão lindo! Tão forte! que eu não podia deixar de levar para a escola para que as alunas e alunos tivessem a oportunidade de prestigiar pelo menos um pouco de tanta coisa linda.
Conseguimos eu e Iremar com a parceria de aliados levar as três para Nazaré, as bailarinas Mura que puderam compartilhar com as crianças da escola do turno matutino a força da cultura e do pertencimento identitário por meio da dança. Foi um momento muito bonito que passou uma mensagem linda para as crianças de que elas não desistam de seus sonhos e estejam onde estiverem não tenham vergonha de sua cultura.
Como o ano letivo de 2019 ainda se arrastava em Janeiro de 2020, não houve abertura para que as meninas se apresentassem no período da tarde, tendo que pela manhã fazer uma ocupação Mura para poder garantir essa partilha maravilhosa tão bem recebida pelas crianças da escola.



Essa imagem concentra a grandeza do espetáculo Pindorama e como é representativo para min está ali do lado da Maíra.

Na escola Francisco Desmorest Passos em Nazaré falando do sentimento de afirmação Mura



A acolhida das crianças às bailarinas Mura

Ludimilla fazendo sua arte na Maloca Mura

Letícia também deixando sua arte nas paredes da maloca Mura




O  mês de Janeiro seguiu pesadamente, mas com fôlego do respiro de arte, de ânimo, de valorização cultural que as meninas puderam compartilhar conosco na escola. 
Entrou Fevereiro, as coisas ficaram mais difíceis na escola, muito cansaço, falta de merendeira, falta de estrutura para trabalhar, alguns conflitos, pressões, energias negativas circulando.
Quando tudo ficou muito pesado, o amor, a amizade, a fé, a esperança nos manteve firmes. Estávamos indo aos tranco e barrancos superando as dificuldades. Entrou Março, faltava pouquinho para enfim vencermos essa pendência de 2019, que não foi nossa responsabilidade, mas sim do próprio Estado que negligenciou a garantia do direito ao transporte fluvial para o deslocamento dos alunos e alunas, fazendo com que as aulas se iniciassem apenas em outubro de 2019, íamos fechar tudo agora final de Março, ai chegou a pandemia do corona vírus. Agora é esperar tudo passar para reunirmos forças para concluir esse pesado ano letivo de 2019.  
  Não bastasse o tal do desenvolvimentismo que só nos traz mortes com as tais hidrelétricas e rodovias, mais um mal que nos ameaça esse tal corona vírus que coloca em risco nossa vida e nosso espaço de vida.  
Que a arte ancestral permaneça viva!
Que Namatuiky e a força de nossos ancestrais nos fortaleça! Anemipa!