terça-feira, 27 de agosto de 2019

Do outro lado do Rio Madeira: Comunidade Maravilha





A estrada de acesso a comunidade Maravilha beira o Rio Madeira. 
O Rio madeira desde a chegada dos colonizadores, portugueses e espanhóis ainda no século XVII  é alvo de políticas colonizadoras, devastadoras, desenvolvimentistas. Aqueles discursos colonizadores de que era preciso trazer a civilização, o progresso e que para isso fazia-se necessário acabar com os Mura, pois foram os Mura que retardaram a entrada dos colonizadores na Amazônia via Rio Madeira, por sem anos. Por esse motivo, a coroa Portuguesa declarou guerra justa contra nós Mura.

Desde então, nunca sessou a guerra pela disputa de espaço com os que impõe a visão civilizatória e desenvolvimentista, desconsiderado a existência dos povos indígenas e populações tradicionais, nossos conhecimentos das tecnologias tradicionais e modos de vida repassados milenarmente. Por esses dias mesmo numa conferência de encerramento do plano diretor da cidade de Porto Velho, na assembleia legislativa, ouvi uma fala de representante do poder público dizendo que era preciso levar a civilização e o desenvolvimento para o outro lado do rio, contrariando todo o processo de construção coletiva do plano diretor e dando força para o interesse empresarial e as frentes do agronegócio e nas intenções de expansão da cidade e ao mesmo tempo na construção de mais portos graneleiros.


Chegando na comunidade Maraviha.
A comunidade Maravilha que permanece resistindo a todos os ataques que se acirraram desde a construção das hidrelétricas e posteriormente a construção de uma ponte atravessando o rio, agora também teve que enfrentar a situação do incêndio descontrolado. Nós do coletivo Mura de Porto Velho estivemos lá no domingo dia 25 para ver de perto a área afetada pelo fogo e para somar forças com a comunidade.

Fomos com nossas crianças para a comunidade, elas estavam cientes que íamos fazer um trabalho extremamente importante e tinha a ver com as queimadas. Ao chegarmos na casa da pessoa que se comprometeu em nos levar na área queimada, sentimos um forte 

De onde estava vindo o cheiro de óleo diesel.
cheiro de óleo diesel que estava vindo de uma balsa atracada às margens do Rio Madeira e que estava sendo lavada. Ali há uma concentração de balsas de carga de grãos levados até Manaus, esse porto irregular de cargas e descargas dessas balsas acabam por acelerar o desbarrancamento também causado pelas hidrelétricas e garimpagem.

Quem nos recebeu foi Doriam, um morador que vive na comunidade a 10 anos, ele nos disse que veio do interior da Argentina com a intenção de chegar até Manaus, mas quando chegou à comunidade Maravilha, tomou a água do Rio Madeira e não quis mais sair de lá, há dez anos vive aliado a defesa das árvores, dos igarapés, dos lagos dos animais. Ele mostrou conhecer bem aquela floresta e foi nos mostrando cada palmeira, cada árvore, falando seus nomes e sua importância, transparecendo o seu pesar por estarem queimadas. 



Adentrando na floresta queimada - Fundiária da reserva ecológica.
Não conseguimos adentrar muito na floresta para ver toda a área afetada pelo fogo, mas o pouco que adentramos, vimos que os pés de patoá não resistiram ao fogo, vimos três pés, dois caídos e o outro com o tronco queimado que está condenado a morrer. Para quem não sabe o que é patoá é um fruto que lembra o açaí ou abacaba e que faz parte da alimentação tradicional, é como se fosse um achocolatado. Outras palmeiras e demais árvores também estavam com suas bases queimadas, porque o fogo foi alastrando por baixo.

Os moradores tradicionais da comunidade estão receosos de falar sobre o fogo e demais devastações que a comunidade vem sofrendo a tempo. Segundo informações que adquirimos a estradinha que um setor governamental abriu em 2014 com o pretexto que ia facilitar para a comunidade sair após as águas (da inundação causada pelas hidrelétricas) baixar, mas ao contrário, serviu para a facilitação da entrada de invasores, inclusive de um fazendeiro que tem uma grande área invadida e desmatada dentro da comunidade.


Foi triste entrarmos na fundiária da reserva Arirambas com um tapete de fogo que queimou área a dentro, que conforme vimos aumentou a insegurança alimentar daquela comunidade, pois caíram os pés de patoá adultos que levaram em torno de 100 anos para estarem no porte que estavam, mas se mostraram sensíveis ao fogo, sementes que são utilizadas para a confecção de artefatos culturais também foram queimadas e várias árvores foram afetadas.

Uma das senhoras, moradora tradicional nos recebeu da janela da sua casa, falou que a área que está sob a responsabilidade dela e do filho, não queimou, pois eles não costumam fazer queimadas.  Ela não quis que gravássemos a fala dela e nem registrasse a sua imagem, mas nos contou que ela e seus filhos ficaram assustados com o fogo. Não gravamos a fala dela, nem fotografamos a sua casa de farinha e sua roça, mas vimos que ela mantém a floresta em pé e mantém seu modo tradicional de produzir seus alimentos.


Nosso amigo que nos levou até a área queimada nos apresentou a sorveira vovó que ele costumas descansar quando adentrava na floresta antes da estrada a cinco anos atrás. Esse pé de sorva está próxima a beira da estrada, resistiu a inundação de 2014, a estrada e a grilagem, mas até quando? Seus dias podem estar contados.



Outro senhor que teve suas plantações e sua casa cercada pelo fogo não quis falar muito sobre o assunto, diferente da Dona Conceição que vive na comunidade Maravilha a 60 anos e que não teve medo de falar do que vem afetando a eles. Nos levou até o lago e mostrou as árvores que morreram ainda no tempo da inundação de 2014, causada pelas hidrelétricas, falou da preocupação com homens que segundo ela, deram a entender que vieram de Manaus, os quais adentram no lote e ficaram falando em tornar o local num porto graneleiro. Ela também nos contou que no dia que estava pegando fogo (semana passada) ela e seu esposo ficaram muito preocupados, porque não sabiam de onde estava vindo a fumaça, somente depois quando um mulher com sua família chegou assustada falando que na parte de trás estava pegando fogo, foi quando souberam os motivos das fumaças e então foram até a beira do barranco e viram que a fumaça estava em cima da água do rio e se assustaram. 

Conversando com dona Conceição.
Esse lago sofre invasão de pescadores predadores vindos da cidade.
Apesar de todas essas ameaças, dona Conceição se despediu de nós com uma fala cheia de esperança e resistência, “Se nós somos fortes e somos guerreiras, perseverantes, é porque os nossos antepassados era índios e nós também temos esse sangue, temos essa essência de sermos lutadora, de não desistir fácil! É com essa fala que encerro essa descrição e convido a todas e todos a somar com a luta dessa comunidade em se manter dentro de seus modos de vida tradicional que está extremamente ameaçado, vários de seus direitos estão sendo violados, dentre eles, a educação escolar, pois conforme nos falaram, a escola se encontra fechada e nem se quer foi encerrado o ano letivo de 2018. Há ainda um grande risco de haver um incêndio maior na comunidade, pois a área que pegou fogo ficou seca e alguns trocos de arvores caídos estão com brasas e continuam queimando, na volta da área de queimadas vimos uma fumaça, um dos nossos foi verificar, era uma tronco pegando fogo, para evitar que viesse a pegar fogo na vegetação seca que estava nas proximidades o tronco foi tirado e deixado às margens da estrada, porém, em toda a área que pegou fogo os ricos estão eminentes.                        









                                                                                                                                                                                                                                                                                                          
















sexta-feira, 23 de agosto de 2019

Seu Nelson Mura fez a passagem

Seu Nelson Mura, meu pai cultural fez a passagem dele, infelizmente após um ano sem conseguir ter uma atendimento médico adequado, após ter enfim, conseguido acessar esse direito já estava muito debilitado e não resistiu. Eu não tive coragem de vê-lo em seus últimos dias no hospital, para mim era difícil demais. Fiquei com a imagem do sorriso, do olhar, do jeito de andar, do carinho que ele tinha por mim. Aprendi tanto com ele! Ele me deixou como herança seu canto: Kainanã Kainari, Kainanã Kainari, Kainanã Kainari! Karakapitu tum tum! Karakapitu tum tum!.. Vou levar sua memória comigo, por meio desse canto. Ainda é difícil falar sobre a passagem dele. Não foi fácil chegar na aldeia e não vê-lo, mas ao mesmo tempo é importante continuar está ligada a luta pela demarcação do território que ele tanto sonhou e acabou por demarcá-lo com seu próprio corpo.


Sobre as queimadas em Rondônia



Todo esse fogo não foi apenas descuido {...{




SOU Márcia Mura, do Rio Madeira, território ancestral Mura, moro numa comunidade às margens desse rio, que dentro da divisão de Estado fica em Rondônia, mas independentemente dessa divisão, nosso Povo está em toda a Amazônia, tendo maior concentração no Estado do Amazonas com terras demarcadas e outras com reivindicação para demarcação. No estado de Rondônia o Povo Mura em grande parte vive integrado nas comunidades ribeirinhas e se identificando como ribeirinho mantém a floresta em pé.

Saí da comunidade onde vivo no dia 05 de Agosto para ir até a Terra Indígena Itaparanã no sul do Amazonas, onde estamos lutando para que seja demarcado, somente após chegar de lá com apoio de aliadas e aliados e mesmo parentas indígenas consegui chegar a tempo para a Marcha das Mulheres Indígenas em Brasília, de lá segui de carona com as parentas de São Paulo para participar com elas de umas ações indígenas.

No dia 19 de agosto eu estava em São Paulo quando o tempo escureceu as 15:00 horas, vi pessoas assustadas dizendo que o motivo do fenômeno era as queimadas em Rondônia. Fiquei me perguntando: Se aqui está assim como deve estar lá?

Somente no outro dia consegui falar com um parente do coletivo Mura que muito preocupado falou que as unidades de conservação estavam pegando fogo, que muitos animais tinham morrido e que o cheiro de fumaça estava insuportável. Eu me desesperei, fiquei pensando nas crianças, nos idosos e nas demais pessoas inalando tanta fumaça e em toda a destruição.  O que vinha na minha cabeça era apenas um pensamento: -Pensei que não ia chegar a esse ponto!

Fiquei muito triste com as notícias que chegavam de Rondônia e toda a Amazônia, mas procurei ficar forte para chegar firme em Porto Velho. Quando cheguei procurei me inteirar melhor sobre o que tinha acontecido, pois o céu ainda estava coberto de fumaça. Deparei-me com uma matéria online da “Nova Democracia” sobre a morte de um casal humano em Machadinho do oeste onde várias casas de agricultores foram queimadas, conforme as imagens contidas na referida matéria. A morte dessas duas pessoas, que se tem notícia até agora, somava-se a morte das árvores e animais e isso não era manchete em todos os jornais de todo o Brasil.

Estou vendo agora mobilizações acontecendo em Brasília e São Paulo em defesa da Amazônia, tomara que não seja, um pavor momentâneo, que essa luta em defesa da Amazônia e de todas as florestas do Brasil seja uma luta de todos os dias e que sejam tomadas medidas para que cesse essa destruição, pois desde as construções das hidrelétricas em rios da Amazônia, como o Rio Madeira e Xingu, tem ocorrido muitas devastações, grandes áreas de desmatamentos, cemitérios de árvores e muitos animais mortos, só no Rio Madeira foram mais de sete mil toneladas de peixes mortos. Agora essas queimadas! Que não são de hoje que acontecem, mas agora ultrapassou todos os limites.

As perdas chegam a ser irrecuperáveis, pois não há nem tempo para a natureza se recuperar. Essa política de ocupação da Amazônia que desde o início foi destruidora e essa economia do agro negócio estão nos matando. Foi só jogar a faísca nos pastos secos e áreas de plantação de soja e desmatamento, para o fogo alastrar.   

Todo esse fogo não foi apenas descuido, ou será mera coincidência que as áreas em chamas estejam no entorno ou mesmo dentro de unidades de conservação, territórios indígenas e populações tradicionais? Fica ai a questão para pensar.