MURA NO ENFRENTAMENTO DO CORONAVÍRUS
Mura na fileira da frente - manifestação Indígena em Humaitá em 2013 (Eu Márcia Mura com parentes Mura do Kapanã e Baiêta).
foto: Iremar Ferreira
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Representantes Mura de Porto Velho, Autazes e Itaquatiara. no acampamento Terra Livre (2019) |
Eu sou Márcia Mura, moro numa comunidade ribeirinha às margens do Rio Madeira, chamada de Nazaré, mas, para os mais velhos é denominada como Furo. Vivo em Nazaré os modos de ser indígena e faço a afirmação Mura na escola e na comunidade.
Tive que na segunda semana de isolamento social, vir para a cidade para poder fazer as articulações politicas e acompanhar meus parentes Mura de Rondônia e Amazonas em diferentes espaços: aldeias, espaços ribeirinhos e urbanos.
Tenho acompanhado os desafios que meus parentes estão enfrentando em seus territórios, seja nas aldeias, seja na cidade, por isso, em comum acordo com as lideranças com quem estou me comunicando decidi lançar uma campanha de apoio para o enfrentamento do Coronavírus, tendo em vista os desafios enfrentados.
Segue as informações sobre nós, para que possam nos conhecer e nos apoiar:
O Povo Mura encontram-se no estado de Rondônia e do Amazonas com também famílias dispersas em toda a Amazônia.
Atualmente, a maior concentração do Povo Mura encontra-se no Amazonas, em terras indígenas demarcadas, não demarcadas, reivindicadas e também em espaços urbanos. Dentre os territórios Mura no Amazonas, está Autazes que abrange terras Mura em Careiro da Várzea e vai até a ponta de Autazes.
O Rio Madeira é território ancestral Mura e liga Rondônia ao Amazonas, divisão feita pelo Estado brasileiro, mas, antes da colonização os Mura ocupava o Rio Madeira sem essa divisão. Ainda no século XVII os Mura foram a barreira que impediu por 100 anos o avanço do Portugueses e Espanhóis na Amazônia, via Rio Madeira.
Onde estão os Mura atualmente
Em Rondônia, há famílias Mura em espaços ribeirinhos e urbanos, na cidade de Porto Velho, território de memória ancestral Mura e comunidades ribeirinhas das margens do Rio Madeira.
Memórias orais registram a presença dos Mura no Rio Madeira e no mapa de Curt Nimuendaju, que marca o território Mura ao longo do nosso rio ancestral. Na atual Porto Velho, a datação da presença Mura é de 1725, no entrocamento do rio Machado com o Madeira, indo até o rio Capanã a datação é 1714.
Ao verificarem o referido mapa será possível visualizar os Mura adentrando outros rios como o Purus, o Negro, Solimões e vários outros rios e lagos.
Os Mura com suas estratégias de defesa de seu território foram tomados como o terror para os colonizadores e por isso foi declarado a chamada "guerra justa" pela coroa portuguesa contra o Povo Mura, assim o ataque ao Povo Mura, os assassinatos autorizados, fez com que o houvesse uma dispersão do Povo, e descendo o Rio Madeira sentido ao Amazonas.
No século XIX, os Mura já eram considerados desaparecidos, mas com a revolução da Cabanagem, digo que foi uma revolução e não uma revolta, porque mexeu com as estruturas sociais e de poder e de fato, houve mesmo que por pouco tempo um governo popular que foi massacrado pela coroa portuguesa aliada a coroa espanhola, pois essa parte da Amazônia ainda correspondia ao Grão Pará que era subordinada a coroa portuguesa.
I Encontro Mura da Amazônia - Aldeia Cissaíma (2018) Foto: Márcia Mura |
A violência empreendida com toda força aos Mura se deu porque não fizeram negociações com os colonizadores e deixaram grandes cicatrizes na memória do Povo.
No território Mura em Careiro da Várzea, nas proximidades do Novo Céu, há uma aldeia Mura por nome de Cissaíma, que significa cegueira, que segundo os parentes de lá deram esse nome a aldeia para lembrarem da história dos antepassados que resistiram aos massacres, segundo eles, na época dos antigos os colonizadores furaram os olhos de todos os homens, só não das mulheres e por isso, o nome Cissaíma.
No território Mura em Careiro da Várzea, nas proximidades do Novo Céu, há uma aldeia Mura por nome de Cissaíma, que significa cegueira, que segundo os parentes de lá deram esse nome a aldeia para lembrarem da história dos antepassados que resistiram aos massacres, segundo eles, na época dos antigos os colonizadores furaram os olhos de todos os homens, só não das mulheres e por isso, o nome Cissaíma.
Essa memória de violência fez com que por muito tempo parte do Povo Mura, que foram introduzidos nos espaços de seringais deixaram de se identificar como Mura e viver apenas como seringueiros, ribeirinhos e mesmo assim, mantiveram sua relação com a natureza.
No Amazonas na região de Manicoré até Humaitá ocorreram várias retomadas de território Mura a partir dos anos 2000. Infelizmente, essa retomada não passou de Humaitá, município do Amazonas fronteira com Rondônia.
Em Porto Velho há o coletivo Mura composto por pessoas que se identificam como Mura com base na memória dos mais velhos. Esse coletivo tem como principal pauta o reconhecimento de Porto Velho como território ancestral. Atuamos com projetos de afirmação Mura nas comunidades ribeirinhas.
Ao contrário do que alguns desenformados falam, os Mura existem e resistem em Rondônia ainda inviabilizado, mas no Amazonas são muitos e com muita força política.
III encontro Mura - Autazes (2018) Foto: Um aliado não indígena que tirou. |
Os Mura estão nos seguintes municípios do Amazonas:
Humaitá, Manicoré, Novo Aripuanã, Borba, Autazes, Careiro Castanho, Careiro da Várzea. Manaquiri, Beruri, Novo Airão, Itacoatiara, Silves, Iranduba e Manaus.
Segundo o CIM- Conselho Mura de Autazes, só na região de Careiro há 11 aldeias, na região do Madeira (correspondente ao território de Autazes) 7, na região do Rio Preto 6, na região de Muritinga 7, Boca da Estrada 12, Paraná do Autaz-Açu 3.
Em Borba há também uma grande concentração Mura, segundo Zenilto Mura, importante liderança politica no Movimento Indígena no Amazonas, as aldeias são: Cunhã Sapucaia, Limão, Arari, Setemã, Kawa entre outras. Somam 3.100 indígenas Mura.
Coletivo Mura - Porto Velho Foto: acervo coletivo Mura |
Em Rondônia: Há famílias Mura na cidade de Porto Velho, e em comunidades ribeirinha, identificados: Comunidade Maravilha, Nazaré, Boa Vitória, Cavalcante e Calama. Alguns parentes indígenas de Guajará Mirim informaram a presença de famílias Mura numa comunidade ribeirinha na proximidade de seu território nas margens do rio Mamoré. O coletivo Mura ainda está fazendo esse trabalho de identificação de acordo com os critérios que consideram a memória dos mais velhos.
Em Porto Velho temos a Maloca Querida, local de articulação do Coletivo Mura de Pvh, que é um ponto de apoio na cidade para os Mura que vivem na T.I. Mura do Itaparanã (aldeia localizada no km 90, BR 230 - Transamazônica, de Humaitá a Lábrea), quando vêm resolver problemas de saúde e de proteção do território.
Terra Indígena Itaparanã (2018) Foto: acervo coletivo Mura |
Nós da Maloca Querida e do Coletivo Mura somos apoio para os Mura do Itaparanã e para nós, eles são nosso apoio político, cultual e espiritual. Somos conectados. Assim também estamos unidos na luta com os Mura do Amazonas e demais povos da região.
Como os Mura estão enfrentando o Coronavírus - COVID 19
Lideranças Mura fazendo barreira na rodovia que passa dentro do território Mura e liga Autazes a Manaus/AM (foto enviada por eles) |
Devido a necessidade de isolamento e dificuldade de comunicação não temos informações de todas as terras indígenas Mura, mas aquelas que estão conseguindo se comunicar tem repassado notícias; Todas estão fazendo o enfrentamento com suas próprias organizações politicas, fazendo uso na medida do possível da alimentação e medicina tradicional, contando muito mais com seus saberes ancestrais do que com os órgãos governamentais.
Em Autazes desde o inicio as lideranças se organizaram por conta própria para bloquear acessos às suas aldeias. A partir do primeiro caso de coronavírus na cidade de Autazes, lideranças tomaram a atitude de fechar a rodovia que liga Autazes à Manaus e passa por dentro do território Mura, para diminuir o fluxo que estava intenso.
Estão se organizando por conta própria e devido aos esforços físicos, alguns estão adoecendo.
Dentre as vítimas do Coronavírus já morreram dois Mura, um na cidade de Manaus ainda no começo de abril e outro numa aldeia na cidade de Autazes.
Em Borba também estão fechados para entrada de não indígenas e controlando entrada e saída, mas enfrentam o desafio de ter que ir na cidade para receber seus benefícios.
No Itaparanã estão enfrentado muitos desafios, pois as invasões e desmatamentos continuam mesmo em período de pandemia. Estão sem apoio devido da FUNAI e SESAI. Não possuem transporte próprio e com a paralisação dos ônibus, que faziam a rota Lábrea - Humaitá estão encontrando grande dificuldade para irem na cidade receber seus benefícios que são poucos. Estão se organizando para fazerem compra de produtos que não cultivam na aldeia, como arroz e feijão e outros produtos, embora mantenham a maior parte de alimentação tradicional. Por outro lado, não receberam até o momento, orientações e nem material de prevenção do Coronavírus, por parte da CASAI de Humaitá, Polo Base, e por conta própria buscam as informações e estão procurando se cuidar.
Quais suas demandas para o enfrentamento do Coronavírus
No geral precisam de doações financeiras para adquirirem os produtos de higiene pessoal e limpeza, máscaras, combustível, cestas básicas.
A solicitação de doação financeira e não em produtos se dá pela dificuldade de fazer chegar até estas aldeias os mesmos, já por meio dos recursos financeiros, faz-se chegar até os responsáveis de cada comunidade e estes farão as compras necessárias.
A necessidade de manter as barreiras nas entradas das aldeias, muitos não conseguem pescar e desenvolver suas atividades de sustento, havendo assim, essa necessidade de apoio para complementar alimentação básica.
A solicitação de doação financeira e não em produtos se dá pela dificuldade de fazer chegar até estas aldeias os mesmos, já por meio dos recursos financeiros, faz-se chegar até os responsáveis de cada comunidade e estes farão as compras necessárias.
A necessidade de manter as barreiras nas entradas das aldeias, muitos não conseguem pescar e desenvolver suas atividades de sustento, havendo assim, essa necessidade de apoio para complementar alimentação básica.
No Itaparanã o apoio também se dá na pressão à Funai para fiscalização, demarcação da terra e expulsão dos invasores.
Devido os territórios Mura estarem distantes uns dos outros foi disponibilizado os dados bancários de Márcia Mura da Maloca Querida e coordenadora do Coletivo Mura de Porto Velho, a qual irá receber as doações e redistribuir aos representantes de cada Território.
O repasse se dará em ordem de prioridade ao Território com maior dificuldade no momento.
Kuekatu reté a todas e todos que contribuírem com a resistência e existência Mura.
MÁRCIA NUNES MACIEL - MÁRCIA MURA
MÁRCIA NUNES MACIEL - MÁRCIA MURA
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