sexta-feira, 12 de abril de 2019

Depois das Hidrelétricas nossa vida não é mais a mesma









Desde 2007 os rumos de nossas vidas às margens do Rio Madeira começaram a mudar. Começaram a falar sobre a construção de uma hidrelétrica no Rio Madeira. Desde o inicio já começou a dividir as comunidades, os grupos até os movimentos culturais de resistência. De 2007 a 2009 foi só muita manipulação e violações de direitos. Nosso mundo começou a desabar literalmente. Era tratores derrubando vilas, bairros, cidades, revirando sepulturas, para construir novas construções para atender turistas e elites burguesas. Também teve muita luta! Muita Luta mesmo! E agora mesmo depois das construções e da primeira inundação devastadora reunimos forças para resistir e existir. Em 2014 eu estava em São Paulo terminando minha tese de doutorado, tinha dia que eu chorava, ligava para meu companheiro para  e pedia para ele procurar saber como estavam meus parentes e todos da comunidade de Nazaré, porque eu só via noticia da cidade de Porto Velho, Somente no mês de Junho consegui vir a Porto Velho e depois chegar até Nazaré. Lembro do quanto fiquei impactada ao ver tanta destruição, parecia que havia passado fogo nas árvores. Passei uma semana na comunidade, fazia uma semana que as águas haviam descido tudo. Estavam todos retirando a lama acumulada das vias de acesso e reconstruindo a comunidade por conta própria e muita determinação. Foram uma semana ouvido as pessoas falarem de seus traumas por terem ficado mais de quatro meses sem nenhuma comunicação, sem casa, tendo seus direitos humanos violados. Cheguei até a publicar duas entrevistas na revista: nr. 13 da Contemporâneos - Revista de Artes e Humanidades, disponível em www.revistacontemporaneos.com.br


·  Manel Benigno - 62 anos de idade, pequeno comerciante.  Artemis Ávila Ribeiro – 73 anos de idade, professor aposentado, e Maria das Dores Maciel – 57 anos pequena comerciante junto com seu marido Manel Benigno e dona de casa.
Por Márcia Nunes Maciel (USP-SP)

·  Timaia Nunes -  faz parte do Povo Indígena Mura. Possui graduação em História pela Universidade Federal de Rondônia (2001). É mestre em sociedade e Cultura na Amazônia, pela Universidade Federal do Amazonas. Atualmente é doutoranda em História Social pela Universidade de São Paulo -USP, é pesquisadora do Núcleo de Estudos em História Oral/ NEHO -Núcleo de Estudos em História Oral.
Por Márcia Nunes Maciel (USP-SP)

Dei continuidade nos meus trabalhos de campo do doutorado e cada vez que ia até as comunidades afetadas pelas hidrelétricas percebia os problemas deixados pelas mesmas, passei a ouvir com recorrência queixas de dor de estomago após se alimentar de peixe e casos como o as pessoas da comunidade que ficaram apavorados quando uma curandeira respeitada avisou para não tomarem, mais água direto do rio e igarapés senão ficariam todos epustemados (podres por dentro), O que me chamou a atenção foi o fato de que a equipe de saúde já havia informado da contaminação do lençol freático e ninguém havia feito alarde, o que demostrava ineficácia dos informes científicos, mas o alerta da curandeira teve efeito.
Em 2016 terminei o doutorado e no meio do ano já assumi minhas turmas de história na escola estadual da comunidade. Desde então, moro em Nazaré e 2018 foi a minha primeira enchente vivenciada. Foi uma cheia pequena comparada a de 2014, mas causou transtornos com perdas de plantações e impedimento de acesso terrestre. Algumas pessoas se acidentaram, como no meu caso que me alaguei junto com meu filho e tivemos nossa perna machucada e que me deixou problemas de saúde. Agora em 2019 ela veio maior que 2018 e chegou mais próxima da de 2014, subiu mais de um metro de água em toda a comunidade e já fez no dia 10 de abril três meses que ela não desce. 
Em dezembro de 2018 o nível do rio já estava alto e preocupava os mais velhos. Depois do trauma de 2014, o clima de apreensão já estava se instaurando.
A partir do mês de fevereiro lá para segunda semana a sensação coletiva de insegurança se intensificava, até os que tinham a casa mais alta estavam preocupados. Numa tarde ao andar pelo trapiche de madeira observava minha vizinha cabisbaixa na varanda de sua casa, de assoalho bem alto, no final da tarde olhando para a água. Eu falei pra ela - a água não vai chegar no assoalho não. Ela me respondeu - eu estou com medo visinha a água está subindo muito alta. Infelizmente o medo dela também era o meu e de toda a comunidade.
A cada dia que passava observávamos um nível a mais da água sem nada poder fazer, a não ser esperar a hora de começar a fazer marombas para suspender as coisas até não dá para suspender mais e sair de casa. Assim, ficamos eu e Iremar na Maloca Mura. 
Daqui para frente vou fazer uma postagem para cada sentimento vindo átona no percurso da cheia.
Terceira semana de fevereiro de 2019

Nenhum comentário:

Postar um comentário