Houve um tempo aqui em Porto Velho que existiam dois lugares únicos, onde pessoas compartilhavam o gosto pela literatura e pela boa música. O lugar de certos leitores e o lugar de certos boêmios, eu diria que éramos uma espécie de comunidade de discursos e pessoas que tinham em comum alguns gostos, dentre eles havia os mais experientes e aqueles que estavam iniciando-se nesse mundo. Nós que líamos ou ainda lemos algumas literaturas existencialistas, fenomenológicas ou subjetivas do ser, costumamos inventar sentidos para as coisas. Foi assim que diferentes grupos que tinham alguns sentidos em comum constituíram aos poucos um lugar de encontro e identificações. Um que dizia respeito as nossos desejos do ser diurno e outro ao nosso ser noturno. O espaço diurno era a livraria da Rose, onde havia uma livreira chamada Rose, apaixonada por livros e que tudo entendia sobre eles, sua livraria não era um lugar de comprar livros, não, não era apenas isso! Era um lugar de encontrar-se com eles, e às vezes, eu tinha a impressão que eles me achavam, foi lá que fui aos poucos encontrando as peças que montavam o quebra cabeça dos conceitos teóricos ensinados na universidade, foi lá que me deparei com os livros dos meus sonhos, que fiz descobertas incríveis, além, de poder compartilhar leituras com outras pessoas. Era mesmo um lugar de experiência da leitura. O espaço noturno era o Canteiros Bar, para os mais próximos o bar do Rui, que hoje fiquei sabendo por um dos seres que habitava e encantava o lugar com a performance da voz e do corpo, que as portas estão fechadas. Então fiquei pensando nas modificações que foram acontecendo lentamente até as portas se fecharem, e também fiquei imaginado que provávelmente o motivo não tenha sido comercial, pois logo agora a cidade está cheia de gente querendo um lugar para a noite, e então, me lembrei que a primeira vez que fui lá me contaram uma história sobre o Rui, que ele havia aberto aquele espaço para unir duas coisas que ele gosta, a boa música e os amigos. Aos poucos fui percebendo que as pessoas iam lá sabendo o estilo de música que iam ouvir e com quem queriam encontrar-se. Para nós aquele lugar era diferente dos outros bares da cidade, lá existiam os melhores interpretes, a melhor música, os amigos. Isso tudo fazia nos sentirmos parte do lugar, mas aos poucos foram chegando pessoas estranhas que não tinham a ver com a representação que havíamos construído, muitos se sentiram invadidos, cada vez mais o lugar foi abrindo-se para os estranhos,(eles eram estranhos não só por serem desconhecidos, mas por não dizerem respeito ao lugar, houve situações em que as conversas altas nos atrapalhava a curtir a música) mas, ainda assim, em nossas idas e vindas de Porto Velho o Canteiros Bar era um lugar de retorno, mas em Janeiro nos deparamos com ele fechado, achamos estranho e hoje eu soube que ele não abrirá mais. E agora onde vou encontrar o pessoal? A gente costumava brincar dizendo que o bar do Rui era encantado, porque toda vez para encontrá-lo primeiro a gente se perdia e dessa vez quando conseguimos chegar lá sem nos perdermos nós havíamos perdido o lugar. Assim como a livraria da Rose não era só mais uma livraria o bar do Rui também não era só mais um bar. Estamos órfãos de vez!? Esse sintoma está presente quando saímos pela cidade e encontramos nossos lugares onde construímos afetividades, boas memórias, cheio de estranhos ao espaço, e quando no meio da multidão enchergamos um rosto conhecido nos sentimos encontrados e logo vêm as perguntas de ambas as partes: Cadê o pessoal? Mas isso não quer dizer que não estejamos abertos para novas experiências e novas amizades e essas oportunidades estão se dando. Novos lugares com novos agregados estão se construindo, (têm chegado uma galera bacana que corresponde com nossas visões de mundo e que chegaram para somar). Não sou contra que outras pessoas venham em busca de novas perspectivas de vida, sou contra a maneira como sempre foi feito, como estivessem ocupando um espaço vazio, (política de ocupação e desenvolvimento) eu quero meu rio de volta, agora toda vez que vou ao mirante onde olhava para o horizonte, vejo tudo modificado, o rio desviado com as construções das barragens que modificou a paisagem noturna por causa da iluminação permanente no rio, o barulho no lugar do silêncio da madrugada na beira do rio, porque as máquinas e os trabalhadores não param, o desmatamento extremo, a morte dos animais e a expulsão dos ribeirinhos de seus lugares. Não é xenofobismo é um sentimento de perda dos lugares de experiências afetuosas e de histórias de vidas.
márcia, eu teria um monte de coisas a dizer sobre este teu texto, sobre o bar do Rui e seu fechar de portas, mas digo não. só que a noite ficou tão triste de repente. e eu me enchi de saudade enorme. um beijo.
ResponderExcluir* belíssimo, belíssimo texto.
Márcia,adorei o blog! Sobre esse post o que tenhoa dizer é que para mim Porto Velho sumiu inteira... ficaram poucos amigos... E isso não me deixa feliz!
ResponderExcluirbeijos
ps- o texto sobre voar em bando é lindo!!