domingo, 29 de outubro de 2017

Onde Moro


Onde Moro


Da esquerda para a direita, minha sobrinha Éricka, rainha do lago; Lucas Mura, meu filho, pajé - representação da cobra grande; Eliene, minha sobrinha, Cunhã Poranga; eu, Márcia Mura; Erivane, minha aluna, rainha da batucada. (Boi Curumim)
Moro numa comunidade às margens direita do Rio Madeira. Às margens desse rio é habitada a mais de três mil anos, mais recente no século XVI ao XVIII os Mura travaram guerra contra os colonizadores, as águas barrentas desse rio carregam muitas histórias, mas vou começar de agora. Para chegar até lá saindo de Porto Velho são seis horas de barco (isso no inverno, pois no verão dura bem mais) Lá moram muitas pessoas que vieram dos espaços de seringais do Amazonas desde a década de 50, dentre eles meus parentes e conhecidos que vieram do Lago do Uruapeara, lugar do grande Peara cacique dos Uruás. Lá aprendo a lidar com as visagens, com as entidades da floresta e do Rio, combato o olho gordo daqueles que vem de fora e que nada contribuem conosco, quando preciso uma prima faz os banhos de ervas, tomados por três vezes antes do pôr do sol. Curo – me com os remédios da mata e com as rezas dos benzedores. Todos os mais velhos me conhecem e me consideram, mas não é por causa que eu sou doutora em História Social pela USP, não! É por causa que sou neta do finado Carmelino e da Francisca Nunes Maciel e filha da Nilce. Meus alunos aprenderam a me chamar de professora Mura, as cunhatãs acham bonito meus adereços de pena, osso, sementes... Alguns sobrinhos e sobrinhas aprenderam a fazer tinta e jenipapo e fazer grafismos corporais. Visito e recebo visitas dos parentes e conhecidos, as relações de trocas tradicionais são vivas entre nós.
Cunhantãs dançando no encontro de saberes e sabores na Escola Francis Desmorest Passos
Cunhatãs na maloca Mura se pintando com jenipapo para o Boi Curumim. 
Na comunidade onde moro, os curumins brincam com pião, passarinham... Curumins e cunhantãs vão no verão tirar ovos de tracajá nas praias, aprenderam com seus pais que por sua vez aprenderam com seus avós, os quais estavam ligados a seus antepassados... Fazem isso sem extinguir os tracajás, porque é tradicional, não é predatório... Uma vez ao mês alguns curumins e cunhantãs vão na maloca Mura e nós cantamos, dançamos e narramos... Todo esse ritual é para falar e vivenciar modos de ser indígenas...

Lá onde eu moro tem tudo o que eu gosto, canto dos passarinhos, parentes, lago do Peixe Boi, roçado, festival cultural... Mas também tem o que vem de fora que eu não gosto...





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