quinta-feira, 4 de novembro de 2010

História Oral para além da academia



Oficina em Contrapartida ao Minc -(edital de difusão cultural) foto: Maria Cristiane Pereira de Souza
Amigos que acreditam nos mesmos sonhos - Foto: Maria Cristiane Pereira de Souza

Um momento especial onde pessoas de diferentes mundos se encontraram - Foto: Maria Cristiane Pereira de Souza
 

O ouvir o outro  - Foto: Maria Cristiane Pereira de Souza
A fusão por meio do ouvir... foi um dia inteiro de histórias pessoais, míticas, políticas de sonhos e de lutas! Foto: Lucas Maciel Ferreira

Por Márcia Nunes Maciel

Um grande encontro. Não porque houve um grande número de pessoas, mas por grandes pessoas terem comparecido. Importantes por ser: indígenas, ribeirinhos-beradeiros e beradeiras, afros-brasileiros, netas, netos, filhos de seringueiras e seringueiros, educadores e educadoras populares, oralistas, pesquisadores, pesquisadoras, contadores de histórias. Pessoas de diferentes espaços dispostos a trocar experiências. Nesse encontro exercitamos o ouvir o outro. Coisa que se torna cada vez mais rara em nossos dias, desde o anuncio da morte do narrador feito por Walter Benjamim.
Sobre o pretexto dessa oficina, convidei as pessoas que comigo compartilham lutas e sonhos, e que por sua vez, convidaram seus amigos e amigas que buscam conhecer e saber fazer História Oral fossem eles pesquisadores, pesquisadoras ou parte de uma comunidade tradicional.
Embora fossemos de mundos e tempos diferentes, fomos capazes de compartilharmos sonhos, lutas, histórias, vivências. O pajé cantou suas músicas tradicionais para afastar as doenças, o Babalorixá cantou para os orixás nos proteger, e juntos cantamos e nos deixamos curar com as histórias e cantos de cada um.
Os Karitina falaram do retorno a seus territórios tradicionais e a importância da memória dos mais velhos nesse processo de retomada. Um representante dos Karipuna compartilhou conosco uma das histórias que aprendeu com sua mãe. Os ribeirinhos desabafaram suas dores por se verem obrigados a sair de seus lugares, cheios de sentidos em suas vidas, por causa das Hidrelétricas no rio Madeira, os membros da comunidade cultural e religiosa afro-brasileira, compartilharam a importância de sua religiosidade e seus significantes; os educadores, estudantes, pesquisadores, oralistas, falaram de suas identificações e do sentido de suas vidas, assim todos contaram, todos narraram, todos e todas ouviram e comprometeram-se uns com os outros.
Passamos o dia inteiro ouvindo as histórias um dos outros, porque essa era a importância, fazer história oral é saber ouvir e saber tornar as histórias ouvidas parte de si mesmos, e saber compartilhar as suas próprias histórias e estar disposto a ir ao encontro do outro e fundir-se a ele. De uma experiência a outra a chama da narração foi aumentando e na roda das conversas o pajé narrou uma história que foi contada por seu pai e nós ouvimos inspirados pelo filme peixe grande e suas histórias maravilhosas que havíamos assistido juntos e compartilhado nossas percepções tornando a narrativa do filme parte das mitologias dos nossos eus.
Nos comprometemos a dar continuidade nos trabalhos de história oral. Fomos convidados a ir até a aldeia do cacique e pajé Cizino Karitiana para junto com ele e sua comunidade fazer o registro das histórias dos antigos e alimentarmos a resistência na retomada de seu território (no município de Candeias do Jamarí, onde se encontra a aldeia antiga). Nossa amiga Ribeirinha Neuzete, beradeira de pai e mãe, (como ela se define) se colocou a disposição para dar seu depoimento de resistência sempre que for preciso, nosso amigo do movimento dos atingidos por barragens Davi enfatizou a importância dos mais velhos e se dispôs a incentivar os jovens da sua comunidade a registrar as histórias dos mais velhos, a comunidade de cultura e religiosidade afro-brasileira nos deixou as portas abertas para compartilhar experiências e participar de uma roda de cantos afro-religiosos, nós, oralistas, pesquisadores, educadores, militantes, nos fortalecemos e firmamos nossos compromissos com as comunidades tradicionais e no fim do dia 14 de agosto de 2010 no Centro Cultural e Religioso Odomiô, nos sentimos realizados com a experiência intensa de uma história oral para além dos muros da academia.
  

                            

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