sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Entre Rondônia e Mato Grosso: Rastros de destruição

Desde que passei a viver com Iremar, pai dos meus filhos passei a fazer o percurso de Porto Velho á Juína no Mato Grosso, nos finais de ano, para visitar a família dele. Desde a primeira vez foi um grande desafio, pois antes de ter veículo próprio íamos e voltávamos de ônibus. Na primeira viagem que fiz pra lá, foi para ser apresentada a família dele e apresentar nosso primeiro filho, Lucas Mura, isso foi em 1994. Nesse tempo o trecho da estrada (rodovia 175) que liga Vilhena (RO) à Juína (MT), era muito mais arenosa do que agora e também tinha mais vegetação natural formada pela transição de cerrado e floresta. No meio da viagem de ida tinha um quiosquinho que o ônibus parava, onde vendiam aqueles salgados fritos cheios de óleo, dentre eles, aquela cocha de frango com uma cobertura frita. Nesse lugar tinha uma roda d´água. Agora nesse lugar, tem uma maloca dos parentes Enawenê-Nawê, pois lá é território deles e eles conseguiram retomar essa parte. 

Nessa primeira viagem de 1994 na volta à noite, o ônibus parou num ponto de parada que ficava longe de Juína e longe de Vilhena e na saída um senhor que desceu do ônibus dizendo que ia beber uma água e uma pinga não embarcou mais; escutamos só o grito dele pedindo socorro, o ônibus jogou luz para o meio da estrada e o vimos jogado numa vala e um homem ao lado apontando o revolver para ele. Começou uma gritaria dentro do ônibus dizendo para o motorista ir embora, mas ele insistia em esperar, nisso veio outro homem armado e colocou o revolver pela janela do motorista e disse para ele ir embora. Depois disso seguimos viagem na escuridão, provavelmente o senhor que ficou para trás deve ter perdido a vida, tudo indica que foi um acerto de conta, pois ali é região de garimpo.

De 94 pra cá já fizemos muito esse trecho e cada ano percebemos o aumento da devastação. Dessa vez, depois de seis anos sem fazer esse percurso, tivemos que fazê-lo em plena pandemia no mês de Agosto de 2020, para cuidar da minha sogra e sogro em tratamento de saúde. Na ida fomos percebendo as devastações não só desse trecho, mas também às margens da BR 364. Vimos acidentes com vítima humana e ao longo da viagem diversos cadáveres de animais que foram atropelados e também muito desmatamento dando lugar para soja e outras monoculturas. 

Somente na volta fizemos alguns registros de uma paisagem devastada e ilhas de florestas desconectadas e sem vida, começos de queimadas e no meio de tudo isso os parentes Enawenê-Nawê e os Nabikwara que estão naquelas proximidades. 

Era para eu ter feito essa postagem a mais tempo. Mas, na volta para casa haviam muitas demandas acumuladas no nosso trabalho de apoio aos parentes e nos cuidados do nosso filho que estava com COVID19 e depois eu e meu companheiro que também fomos positivados. Agora também minha mãe está com Covid19. A luta só aumenta, então resolvi fazer logo essa partilha diante de tanta tragédia que vem se dando com as queimadas que já estavam acontecendo quando estávamos em Juína, o que dava para perceber, por causa do céu o tempo todo encoberto com muita fumaça.

Esses dias tenho visto nas mídias alternativas parentes indígenas em toda parte da Amazônia e outros lugares da nossa casa comum Abya Yala, nosso território ancestral, Pindorama - Terra de muitas palmeiras, enfrentando por conta própria o fogo que está comendo tudo.  Resolvi compartilhar esse registros desse trecho que passamos, depois que já estávamos em Porto Velho e soubemos de uma queimada em Vilhena que durou uma semana. Felizmente, temos alguns aliados, mas, os invasores, os destruidores da Mãe Terra estão avançando com respaldo de uma política genocida em curso. Dói muito ver nosso mundo sendo destruído, mas vamos continuar resistindo.

Faço essa postagem para somar com os parentes, que estão enfrentando com todas as suas forças o fogo que avança em seus territórios para salvar os animais, ás árvores, os frutos, nossas vidas. 

Vejo o fogo lá fora e me desespero aqui dentro da Maloca Querida atingida pelo COVID19, mas resistindo, fazendo ecoar nossos gritos para onde possam ser ouvidos.


                                          Derrubam a vegetação natural e plantam eucalipto.

Algodão nas proximidades da terra indígena dos Nambikwara


Maloca dos parentes Enawenê Nawê. Esse é um ponto onde eles cobram pedágio, como uma forma de compensação pela estrada que rasga ao meio o seu território. Na ida ao vermos o parente que recebe o valor do pedágio, sem máscara, deixamos com ele umas máscaras descartáveis e explicamos a ele a importância de usá-las. 



Na volta entregamos a eles umas máscaras que compramos em Juína, com a preocupação de que se protejam. Falamos para ele que somos do Povo Mura de Porto Velho, perguntamos se havia casos de COVID19 entre eles, ele disse que não, mas não sabemos como está o acompanhamento deles pela Secretária Especial de Saúde Indígena\SESAI.




Muita fumaça no horizonte.
Fogo chegando na estrada. Isso foi na volta dia 23 de agosto de 2020.






   
Além dessa Anta/Tapira - Passamos por mais de cinco capivaras, um tatu e uma raposa morta na estrada; não tinha como pararmos para fazer todos os registros.  
                       


Agora com o aumento das queimadas o números de animais mortos também aumentaram. 


 

Muito triste ver essa Tapira se diluindo no asfalto. Antes das queimadas esses animais já estavam saindo dos locais de desmatamento para ir para outras áreas em busca de alimento e na travessia da BR acabam morrendo atropelados. A vida deles é a nossa vida! Em todo percurso vimos um tatu vivo andando ás margens da BR indo para um campo de plantação de soja.

Nos ajudem a salvar a Amazônia! 

Ela é nossa vida!


 

  Créditos das fotos: Tanã Mura

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