domingo, 19 de julho de 2020

Os antigos de Nazaré



Seu lindo e dona Chiquita - Moradores de Nazaré do tempo do seringal,
ela era amiga da minha avó e ele amigo do meu avô.
Desde que eu voltei para morar em Nazaré quem mais me faz sentir em casa, bem recebida e de quem recebo muito carinho são dos mais velhos e mais velhas, muitos são do tempo da minha avó e do meu avô e tem aqueles que até cuidaram de mim quando eu era criança. Tenho muito carinho por eles e por elas. Agora no tempo da pandemia eu tive que vir para a cidade para dar continuidade nos trabalhos de articulação politica e até mesmo para poder fazer o trabalho que estamos fazendo para articular apoio aos Mura de contextos de aldeias, ribeirinhos e cidade. 
Seu Edi e dona Joana
trazem lembranças da minha infância
Dona Joana e seu Edi me conhecem desde os nove meses quando minha mãe e minha avó voltaram para Nazaré. Depois de adulta quando eu voltei para Nazaré, teve um dia que ela perguntou se eu era a Márcia eu disse que sim, aí ele me contou do tempo que minha mãe e minha avó moravam lá e disse que eu ficava na casa dela quando minha avó e minha mãe iam para a roça e que no tempo da enchente ficávamos na casa deles. Nessa reaproximação dona Joana demonstrou muito carinho por mim e ano passado ela foi comigo até o lago do peixe boi junto com
Seu Getúlio e dona Margarida  São do Lago do Acará
 e foram morar em Nazaré depois que meus avós
 já não estavam por lá, nem por isso, deixam
de me receber bem e de termos afetividades reciprocas.
dona Margarida e a Leila neta da dona Margarida, todos se admiraram de vê-la saindo de casa e por estar indo ao lago comigo. Assim como eles, seu Lindo e dona Chiquita, seu Venâncio, tio Sabá, tia Fátima, tio João Lobato são do tempo da minha avó e da minha avô e isso faz com que tenhamos uma ligação afetiva reciproca. 


Seu lindo sempre conta
experiências que vivenciou com meu avô.
Quando o Coronavírus chegou a Nazaré fiquei preocupada com todas e todos, mas os idosos foi com quem me preocupei, mais. Após o óbito da dona Lurdes, nossa amada anciã que cuidava da nossa medicina tradicional, fiquei inconformada e queria voltar logo para Nazaré para fazer algo para ajudar a protegê-los, mas eu não pude, porque tenho minhas implicações de saúde e também tinha a campanha e todas as articulações politicas que não podem deixar de serem feitas e depende de internet. 
Somente no dia 10 desde mês de Julho, tive a oportunidade de ir junto com Iremar até Nazaré, aproveitamos a carona no barco Deus e Amor que fez uma viagem a serviço da SEDUC - Secretaria de Educação de Estado onde apenas um grupo pequeno com a coordenação do núcleo de educação ribeirinha  e de diretoras das escolas e algum funcionário foram. 
Com a colaboração de  amigas de São Paulo como a Clarissa Suzuki  que conseguiu mobilizar algumas doações, a Lia que também contribuiu e a Geise que sempre está colaborando generosamente, consegui levar 37 latas de leite sem lactose, laranjas, biscoitos integrais e sabonetes, prioritariamente para os idosos e elas e eles ficaram muito felizes com a atenção dada a eles.  
Nem todos os idosos vivem em Nazaré desde o tempo dos meus avós, ou mesmo vieram do Uruapeara lugar de origem de onde grande parte dos mais velhos vieram, como no caso da minha avó e avô, mesmo assim, houve a construção de uma relação de cuidados recíprocos entre nós, como a amizade que eu e Iremar temos com seu Vale, que segundo ele, foi criado pelos Parintintin e por isso nós o chamamos de Parintintin, ele é pescador, e sempre nos presenteia com peixes, procuramos também retribuir os presentes dele.


Tio Manel, esposo da tia Graça, ele gosta de conversar sobre o tempo do seringal e sobre os indígenas. Sempre que vou a casa deles ganho frutas da época, no tempo do caju eles sempre guardam os mais bonitos para mim, porque sabem que eu gosto, também ganhamos banana deles. Toda vez que vou visitá-lo, ele sempre quer saber da mamãe e dos meus filhos e quando o Iremar não está comigo, pergunta logo se ele está viajando.




 Esse senhor é pescador, ele é pai da minha amiga Cleidinha, a senhora abaixo é mãe dela e a outra senhora que segue é a tia dela. Apesar da mãe da Cleidinha ter o sobrenome Nunes da minha avó, nós não conseguimos encontrar uma pessoa mais velha que ligasse nosso parentesco sanguíneo, então resolvemos que somos primas por afinidade.


 Dona Sabazinha, ficou meio desconfiada comigo e a Roneide, filha da minha prima, que estava me ajudando a localizar os idosos que eu não conhecia, mas quando ela disse que era filha da Antônia, dona Sabazinha já abriu um sorriso e falou surpresa "Tu é filha da Antônia?" Roneide sorriu e disse que sim, em seguida perguntei a dona Sabazinha se ela havia conhecido a Chiquinha, esposa do Carmelindo, ela disse "Sim, nós éramos muito chegadas" e ficou com uma expressão de choro, quando disse, "pois é a chiquinha já morreu". Eu já tinha visto dona Sabazinha, mas ainda não tinha tido oportunidade de conversar com ela, pena esse primeiro contato tenha sido nessas circunstancias de pandemia, de toda forma, fiquei feliz de conhecê-la, perguntei se ela estava se cuidando, ela disse que está tomando os chás das plantas medicinais, a orientamos a colocar a máscara quando fosse atender alguém e informamos que na sacola havia duas máscaras que antes de usar precisava ser lavada. Essa orientação foi dada para todas as pessoas que receberam as máscaras repassadas pelo projeto das máscaras da UNIR e IFRO juntamente com costureiras voluntárias. 
 Essa senhora eu não a conheço de nome, mas ela lembrou de mim, perguntou se eu era a professora Márcia, eu  respondi que sim, e enfatizei - Márcia Mura. A filha dela foi minha aluna no terceiro ano, mas ela também me conhece, porque é uma das moradoras antigas e é conhecida da minha família.
Esse casal eu não conhecia, mas a senhora lembrou de mim, pois a filha dela é casada com o filho de uma sobrinha da minha avó, a tia Regina, que faleceu ano passado.
Esse é primo da minha avó, tio Sabá Sena. Ele me conhece desde criança, um dia meu irmão o trouxe na minha casa aqui em Porto Velho e ele falou que eu era uma cunhantãi tola, eu fiquei olhando para ele e disse "Era nada" e sorrimos juntos. Depois em 1999 quando retornei pela primeira vez depois de adulta à Nazaré, minha tia Maria me apresentou a ele, ele ficou admirado e relembrou da última vez que fui a Nazaré com minha avó, que eu estava pulando nágua e ela ficou gritando do barranco " Sua Cunhantãi acessa só que tá pulando nágua com os curumim, não te trago mais" Ele contava e ria. 

Seu Sabino é do tempo do seringal, os mais velhos contam que ele era o homem de confiança do seringalista. Atualmente, vive sozinho, tem um açaizal bonito e cria galinhas, é amigo do meu companheiro Iremar.





Tio João Lobato, ex marido da tia Maria, sobrinha da minha avó; construí uma memória afetiva sobre ele, antes de ir morar em Nazaré, porque minha avó me contou que quando ele matava paca já separava um quarto e dizia para levar para mim. Depois que fui morar em Nazaré, ele me acolheu com todo o carinho. Ele gosta muito de cantar as mudinhas do tempo do seringal e as compostas por ele ao som de seu cavaquinho. Eu aprendo muito com ele. 


Seu Luizinho, nosso vizinho, ele é piloto da vueadeira do posto de saúde. Quando minha avó Izolina faleceu, ele se prontificou em pilotar uma vuadeira para me deixar na boca do Jamari. Foi muita gentiliza dele. Se não fosse isso, não conseguiria chegar a tempo no velória da minha tia avó, em Porto Velho.


Mucurí, mora sozinho, mas quando adoece pode contar com os cuidados do seu sobrinho. É muito bem humorado e gosta de puxar uma prosa com o Iremar.




Mãe da minha aluna Raimunda, chamada pelo pessoal da comunidade de dona Dádá, mas numa reunião da associação ela disse que esse não era o nome dela, ela é bem animada, mas também quando se enfeza, rum... Ela gosta de dançar, é vaidosa e tem muitos conhecimentos.  

Alguns idosos não estavam em Nazaré, tinham vindo para a cidade, muito deles já passaram pelo COVID19, mas se trataram com medicina tradicional. Depois do falecimento da dona Lurdes, eles mesmos passaram a reforçar os remédios tradicionais em seus tratamentos. 
Foi muito importante não só para eles como para mim também poder vê-los, cumprindo os protocolos necessários, Kuekatu réte aos doadores e doadoras que permitiram essa ação de cuidado com as sabedoras e sabedores de Nazaré. 
D, Lurdes, foi mencionada por alguns deles com tristeza. Uma das idosas que visitei ficou com depressão porque sentiu muito a morte de três pessoas conhecidas dela que foram a óbito nesse tempo de Pandemia, porém só dona Lurdes fez o teste de COVID19 e testou sua morte como causa o Coronavírus. 

Nossos Idosos precisam de carinho e muito cuidado, eles são os guardiões e Guardiãs dos nossos saberes. Para que essas ações continuem vou precisar do apoio de todas e todos.

Agradeço também ao Iremar por está sempre junto na luta e a Roneide e sua filhinha que ajudaram nas entregas, todas dentro dos cuidados necessários. 

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